Crítica: O Rio Nos Pertence

Por Fabricio Duque

“O Rio Nos Pertente” integra o coletivo de cinema Operação Sônia Silk, e é considerado o mais palatável da série, talvez por ser mais concretista em relação a sua narrativa. O projeto inclui a escalação dos atores: Leandra Leal, Mariana Ximenes e Jiddu Pinheiro e fotografia de Ivo Lopes Araújo. No filme em questão aqui, direção de Ricardo Pretti (“Os Monstros”, “Estrada para Ythaca”), não há muito o estilo Belair “bressane de ser” (como no anterior “O Uivo da Gaita”), mas se conserva a estrutura existencialista de confrontar medos, culpas, passados, traumas, abandonos, repetições e loucuras tanto das personagens quanto dos detalhes abstratos (como a personificação do vento, do barulho da porta, da água). Cria-se uma atmosfera de ruídos exacerbados, que representam a personificação das sensações internas, complementada pela estonteante fotografia soturna e em quase sépia. 

Aos poucos, sem pressa, o espectador consegue, em doses homeopáticas, montar o quebra-cabeça, divididos em camadas psicológicas e principalmente metafóricas. O estrangeirismo do início caracteriza a própria personagem, perdida, individualizada, solitária. O retorno, a autoterapia, que encontra estímulo à mudança. A narrativa comporta-se contemplativa, que explora o tempo e sinestesias visuais. Embarcamos na “aventura” existencial de uma protagonista que não sabe se vive em fantasia ou realidade. São mergulhos em surtos, sobreposição de imagens, espíritos em projeções mentais, sonhos dentro de sonhos, loucura induzida, esperas, em um Rio (de Janeiro) antigo (nostálgico, melancólico, utópico e ultrapassado). Os atores vivenciam visceralmente seus papéis, e se entregam sem ressalvas ou limites. Assim, experimentamos o lado doentio, surreal, esquizofrênico e ininterrupto de uma pessoa tentando vencer o passado sôfrego e “perseguidor”. O diretor manipula com vontade, mostrando crueldade com sadismo. “Morde e assopra”, silencia e ensurdece. Leandra Leal está “Uma Mulher Sob Influência”, de John Cassavetes. Está “Nome Próprio”, de Murilo Salles. Está incrivelmente possuída (na calma depressiva e no olhar final - que causa medo e bagunça de vez o tabuleiro das peças já montadas). 

“O Rio Nos Pertence” é o típico filme submarino. Mantém-se equilibrado na crônica crise existencial e em hipótese alguma fornece um “remedinho” para a pseudo tentativa de felicidade produzida. Concluindo, um longa-metragem, de curta-duração, que merece a total atenção do espectador. Não há gatilhos comuns, clichês e explicações redundantes. O que se vê é a transposição à tela de um cinema de qualidade, de autor, de conteúdo e de “desestruturar” a ordem narrativa, trabalhando possibilidades fílmicas. Trocando em miúdos, foge do senso comum e especifica seu público. Recomendo.