Crítica: Gloria

Por Fabricio Duque

“Gloria” apresenta a odisseia de uma mulher, que vai da (auto) dependência a conseguir andar com as próprias pernas. A narrativa de naturalismo realista desenvolve o caminho do tédio resignado de uma liberdade limitada a uma experiência libertadora de sentimentos e descobertas. A estrutura de novela suaviza a trama, mitigando o excesso dramático para que o espectador possa apenas degustar a “fermentação” desta transformação individual. Sebastián Lelio (de “A Sagrada Família”, “Navidad”, “O Ano do Tigre”) expõe uma direção sistemática e precisa pela sutil sensibilidade de se perceber o que está sendo abordado. Assim, corrobora o estilo do novo cinema chileno, de resolver “pendências” existenciais. O longa-metragem venceu, no Festival de Berlim 2013, o Urso de Prata de Melhor Atriz para Paulina García (de "Génesis Nirvana", "Las analfabetas", "I Am from Chile" – todos de 2013 e ainda inéditos). Mais do que merecido. 

Paulina entrega-se, corajosamente, a sua personagem, sem ressalvas, interpretando a protagonista de nome homônimo ao título. Gloria traduz a solidão de uma mulher de meia idade, separada, com os filhos já crescidos, que frequenta bailes da terceira idade a procura de um companheiro, sem recusar sexo casual. Ela vivencia a velhice moderna. A que permite criar possibilidades infinitas a própria vida. Beber, fumar, acordar na praia sem se recordar, usar maconha, praticar academia de ginástica, ter o riso projetado – como “O Clube da Gargalhada” de Mira Nair, entender o querer dos filhos, aceitar o rompimento do casamento, “mover” a vida e recomeçar. Até se vingar. Engatinha-se até aprender os passos sem cair. Ela conhece vários homens pelo caminho, decepciona-se até “encontrar” um “amor mais compatível” para o momento. Rodolfo (Sergio Hernández, de "NO") apresenta-se interessante, a princípio também moderno, mas aos poucos a sua “bagagem” incomoda e prejudica um possível futuro, demonstrando que o comodismo construído é mais importante que um novo começo. 

Gloria possui a elegância natural dos anos setenta, como um filme Woody Allen de ser, mesclando expressões comportamentais da atriz Diane Keaton com a jornalista do programa “Saia Justa”, do GNT, Barbara Gancia, talvez pelos óculos, talvez pela ousadia e ou talvez pela simplicidade projetada da não interpretação. O roteiro explicita liberdades, como a nudez e o sexo (anal inclusive) na fase idosa, com excessos de pele, texturas, toques, beijos e insinuações mais “animadas” em público. O que se quer mostrar é que a autodescoberta (e aceitação de si mesmo) é o início de um novo caminho. De romper com a massificação das ações rotineiras. É otimista, mas sem a pressão “Disney” de ser. Retrata o tempo que cada um tem de aprender seguir adiante. Concluindo, uma película extremamente corajosa, de intensidade dosada e que conduz com o elemento visceral contido, sem excessos, passando por músicas de Tom Jobim e Rita Lee. O cotidiano é só um cotidiano, contado por elipses das situações corriqueiras do dia-a-dia (ir ao trabalho, preparar-se para dormir), enfim detalhes simples que contextualizam o complexo, determinando seu tempo e seu acaso. Recomendo.