Crítica: A Gaiola Dourada

Por Fabricio Duque

(Crítica realizada em 22/01/2014)

Quem foi que disse que comédia precisa ser escrachada para ser engraçada? Muitos diretores realizaram obras equilibrando conteúdo com o riso natural, sem o gatilho comum da gargalhada clichê e caricata. Um deles é o diretor português Ruben Alves, um franco estrangeiro por opção, que soube dosar o limite exato entre sensibilidade existencial e picardias perspicazes ao retratar uma comunidade de portugueses que “sobrevivem” na França. Ruben conseguiu a inteligência de quem assiste. O diretor embrenha-se em Dante e sua “Comédia da Vida Privada” para abordar uma comédia romântica que tenta redescobrir a essência do nacionalismo. Assim, somos remetidos ao aforismo do crítico literário Walter Benjamin sobre Monticelli, que diz que “a infância é grande fonte de tristeza e para conhecer a melancolia das cidades radiantes é preciso tê-las vivido em criança”. 

O “confronto” espacial perpetua a máxima do “estranho no ninho”, tudo por causa do embate sentimental e nostálgico da família com as experiências do “novo” ambiente “natal”, como meio, que pulula massificações, mitigando a verdadeira essência. A narrativa em tom de novela apresenta-se como um teatro encenado de ações cotidianas, em diálogos verborrágicos que desenvolvem o “bolinho de bacalhau” e que cada segredo tem um porquê de ser. As sacadas “barristas”, de humor não ofensivo, “implicam” com os árabes, com os franceses, com o estilo comportamental italiano e principalmente com os portugueses (que são referenciados com o estigma de padeiro, zeladora e pedreiro). A piada simples sem ser simplista busca a melancolia na sutileza interpretativa (nos olhos dos atores – que não apelam ao comodismo), encontrando resignação, o querer da mudança, a fofoca. A comédia de situações de “A Gaiola Dourada” transpassa outro estrangeirismo: o brasileiro. A história é transpassada pela cadência do samba, resolvendo conflitos com o “jeitinho” do acaso. Mostra-se que o “atual” lugar (imigrante aos pais) “prende”, ficando distante o retorno à “raiz” e expondo a vergonha que os filhos sentem. Eles precisam reviver tipicidades, por exemplo, o fado e o pastel de Belém, para que assim não deixar a própria cultura esvair-se da própria alma. 

“Revolução com flores, não com guilhotinas”, alfineta-se. Não explicitamente, talvez, a estrutura narrativa infere a “A Gaiola das Loucas”, transformando-se apenas o elemento da opção sexual. O filme deixa claro que as famílias são mais parecidas do que pensam, metaforizando a própria sociedade imigrante em Paris. O diretor experimenta ângulos de câmera (que dizem muito), como a cena da passagem pela janela e com a “dança” visual no brunch (almoço-jantar). Obviamente, no gênero escolhido, uma comédia romântica, o final feliz é quase necessário para que a trama encerre o ciclo. E assim, eles viveram felizes, conservando as mesmas picardias e aumentando a alegria, forma que “A Gaiola Dourada” conduz com maestria, revivendo no público memórias afetivas e uma nostalgia atemporal, emoldurada pela fotografia competente e pelas interpretações arrebatadoras e entregues de suas personagens. Concluindo, o espectador precisa esquecer o título traduzido, o pôster como “produto” americano e as indicações da propaganda. Provavelmente, a distribuidora tenta agradar gregos e troianos. Procurando o público diferenciado e também o popular. De certa forma, o longa-metragem pode ser analisado dos dois vieses (mas que isto não seja um impedimento à escolha deste filme, que merece ser conferido). Recomendo.