Crítica: Ela

A Individualidade Coletiva 
de Cada Um

Por Fabricio Duque


“Ela” apresenta mais uma “viagem” de psicologia “física”, desta vez, com menos elementos surreais, e mais como uma personificação superexposta de uma época que faz as pessoas mais e mais se comunicarem, de forma solitária, com computadores inteligentes e perspicazes. Tentativas de trazer à vida máquinas e personagens metalinguísticos (de livro e ou inanimados como manequins) já pulularam no universo cinematográfico. Podemos referenciar o Hal 9000 de “2001, uma odisseia no espaço”, de Stanley Kubrick; “A Rosa Púrpura do Cairo”, de Woody Allen; (aquele da namorada), (aquele do manequim), “Mulher Nota mil”, entre tantos outros. No filme em questão aqui, a direção condutora é diferente. Busca-se o realismo fantástico, que por sinal, não é tão impossível assim de acontecer, porque já vivemos a conectividade “pubbing” (estar todo tempo interligado à tecnologia – celular, laptop, tablet). 

O que se vê em tela nada mais é que uma consequência de alguns anos (somente). Outro fator crível é a característica intrínseca ao ser humano: de buscar o amor incondicional (esquecendo que cada um possui idiossincrasias próprias com tempos diferenciados e quereres diversos, quase instantâneos). O diretor Spike Jonze (de “Quero ser John Malkovich”, “Onde Vivem os Monstros ”, “Adaptação”) corrobora seu estilo fílmico, que é a sensibilizar o público sem o clichê dramático e ou excessivamente romântico. Na verdade, seus filmes retratam a realidade com toque de cinema, e sua ideia de final feliz não corresponde a de uma versão Disney (vendida como felicidade). Inicia-se com a resignação social, insere a felicidade programada, acomoda essa alegria, desenvolve a terapia (praticamente de “choque” – já que o mundo dos personagens rodam 180 graus), encaminha a resolução do problema e finaliza com a cura em si - sôfrega, visceral e libertadora. É a reabilitação de um estado alienante (andar como zumbi e vivenciar um mundo automático). No elenco, o incrível (e fantástico) Joaquim Phoenix – com sutilezas interpretativas; Scarlett Johansson como uma máquina; e Amy Adams (como a amiga que experimenta a mesma “droga”). O roteiro ambienta o futuro a partir da época que vivemos hoje. Efeitos colaterais são despertados. Vazios depressivos, o medo da solidão, a individualidade coletiva. “Produtos” criados para completar tempos e horários. O “pessimismo” apresentado parece só presentear alguém que já possui um alguém. A felicidade do próximo deprime e cria defesas de proteção ao não sofrimento. 

Vamos refletir. Quanto mais “simplicidade” (em produtos e aplicativos) é inventada a fim de fornecer “praticidade”, mais a “complexidade” domina a condução do futuro. No filme, a fotografia nevoada esconde a cidade projetada por hologramas e paredes digitais. O toque de “Minority Report”, de Steven Spielberg, está ali, só que bem menos de ficção científica. O espectador é capturado em apenas minutos. Questiona-se, vivencia memórias afetivas referenciadas e observa como um integrante distante (fora do corpo), alternando entre nostalgia e melancolia. E finaliza com a sensação de olhar para a frente, de perceber o próximo e de encarar os medos de um sintoma psicossocial – a timidez educada de se viver em um mundo próprio. Concluindo, um filme que, além de ser viciante, questiona nosso mundo sem ser politizado, redundante, excessivo e ou chato. É despretensioso, ousado, inteligente, inventivo, sensível, puro, esteticamente compatível com a abordagem objetivada. Um típico longa-metragem de cabeceira. Recomendo.