Crítica: RioCorrente

Por Fabricio Duque

“RioCorrente”, exibido na V Semana dos Realizadores e premiado no Festival de Brasília por Fotografia e Montagem, apresenta-se como o novo filme do cineasta paulista Paulo Sacramento (de “O Prisioneiro da Grade de Ferro” e montador de “Cronicamente Inviável”, “Meu País, “A Concepção”), que desejou traduzir em tela “o cheiro de São Paulo” e “o encontro do caos externo com o nosso caos interno”, iniciando-se com o punk anárquico do grupo Patife Band. “Que momento melhor que agora para começar?”, diz-se. O roteiro insere opções decisórias que cada indivíduo social possui na própria vida. 

A traição amorosa (pelo tédio, pela aventura e ou pelo costume) e ou sexual, por exemplo, simbolizada pelo “olhar”, representa a visão realista da cidade, assim como os pombos, a roubo, cachorros, trânsito, o preconceito e a iminência de emergir uma fúria presente na alma. O sentimento de indignação e da certeza, quase absoluta, de não haver mais soluções às relações coletivas, desencadeiam uma revolta ao contrário (a máquina de escrever “contra a ditadura do novo”), tentando a sobrevivência por pequenos deslizes e traquinagens (o desmonte de carros). O filme utiliza-se da projeção metafórica, transpondo barreiras entre a realidade, interatividade sociológica do deboche utópico (a tatuagem “maldito” e a camisa com a palavra “Freedom” – liberdade – de um menino perdido na rua) e a fantasia do desejo mais íntimo, por alegorias pintadas (retratos do próprio ser humano em representação de ternura, cobiça, brutalidade, pornografia). Trocando em miúdos, “o mundo como ele é”. “O diferente pelo diferente. As ideias tinham que voltar ser perigosas”, questiona-se, inferindo o “cérebro como bomba”, prestes a explodir, como uma epifania do realismo fantástico. 

Se observamos com liberdade poética, encontraremos no molde da barba do personagem principal a figura de “Wolverine”, personagem “alterado” e “projetado” à força física, transpassado aqui pelos quereres mentais (queimar a Cidade e personificar elementos como uma montanha russa – elemento narrativo explicito dos altos e baixos). Paulo dedica o filme ao cineasta gaúcho Carlos Reichenbach, mestre do cinema marginal “Boca de Lixo”. “RioCorrente” mostra uma São Paulo desesperada, no limite da intolerância, que busca no silêncio um caminho protetor à sobrevivência individual e urgente, exacerbando a pulsão latente da intolerância sentida (e ainda resignada). Um filme recorrente, sinalizado por ângulos de câmera não convencionais (e muitas das vezes teatrais-dramaturgos) para adentrar no drama de quatro personagens. Um ex-ladrão de automóveis (Lee Taylor, de “Salve Geral”, “Estamos Juntos”), um jornalista cultural (Roberto Audio), a mulher responsável pelo triângulo amoroso dos dois (Simone Iliescu) e o menino “adotivo” de nome Exu (Vinicius dos Anjos). Vale à pena a conferida! Recomendo.