Crítica: Morro dos Prazeres

Por Fabricio Duque

Se até mesmo a própria diretora não sai imune de seus filmes, imagine os espectadores. Maria Augusta Ramos apresentou seu novo filme “Morro dos Prazeres” na V Semana dos Realizadores e assim corrobora seu estilo visceral e sem limites em apresentar polêmicas e verdades. A cineasta de Brasília, que mora na Holanda, sofreu estafa e depressão pós-filme. “Eu não queria ter que entrar em um presídio novamente”, diz. O documentário em questão aqui encerra a trilogia começada com “Justiça” e seguida por “Juízo”. Maria Ramos possui uma forma muito peculiar de traduzir questionamentos sociais. Ela não possui medo. Mostra a realidade nua e crua ao retratar o dia-a-dia da Unidade de Polícia Pacificadora, sem esconder nomes, matrículas e comportamentos. 

A cineasta dança conforma a música, fazendo o lobby da boa vizinhança para extrair o máximo de “verdades”, palavra esta em aspas por causa da estrutura cinematográfica. É fato, mais que comprovado, e já repetido anteriormente aqui, que quando a câmera é acionada, o comportamento social, de quem está sendo filmado, muda, encenando um real projetado do querer politicamente correto. O filme apresenta-se pela ótica da Polícia Militar, registrando ensinamentos, palestras, “simpatias educadas”, tentando em um primeiro momento o maniqueísmo. Porém, a arte do cinema de Maria Ramos está nas entrelinhas. As sutilezas de alguns (por esquecimento da câmera) indicam a verdadeira essência do poder e do preconceito. Policiais revistam a esmo moradores da comunidade Morro dos Prazeres, e finalizam com o deboche característico: “A Polícia Agradece”. Ou a agressividade de outro policial que encontra resistência de um menino da favela que diz “Calma, com respeito, por favor. Sem grosseria” e encontra a resposta da “lei” que o identifica como um reacionário (pelo simples fato do questionamento não alienante). 

A encenação demonstra que ainda assim os espectadores conseguem buscar elementos positivos e negativos de acordo com cada subjetividade. Uns dizem que para se entender a comunidade, precisa-se morar nela (convivendo com os costumes locais). Outros debatem que o radicalismo é imprescindível para a funcionalidade do sistema social. Quem está certo? Os policiais que usam os fuzis como extensões “fálicas” ou os moradores que querem realizar uma festa até amanhecer? Maria Augusta Ramos “aprisiona” quem assiste à narrativa intimista do lugarejo abordado, nos tornando reféns de um embate de “liberdades” versus “segurança”. Encontramos dificuldades de saúde; solidariedades de um carteiro engajado, pessoas que sabem que o futuro será complicado e outras que só esperam a “morte”. “Morro dos Prazeres” demora a sair do espectador, que visualiza um mundo sem salvação, cruel e da lei dos mais fortes (não fisicamente). Pensamos e ficamos melancólicos, torcendo para que algo nos tire desta lucidez esquizofrênica de realidade. Um filme necessário, que procura na encenação a expressão da crítica social. Recomendo.