Crítica: Laura

O Glamour em Tralhas 

Por Fabricio Duque

Talvez a grande sacada do filme “Laura”, dirigido pelo estreante Fellipe Barbosa e pela câmera do fotógrafo Pedro Sotero, seja a transcendência dos limites do real. A personagem documental tem tudo para ser uma ficção, inventada e encenada, em um cinema que busca a confusão narrativa como mote de expressão metafórica da existência. Podemos afirmar, quando alguém está sendo gravado, que a figura da naturalidade torna-se uma projeção do querer interno do ser. Mostra-se o que convém. No filme em questão aqui, a “bagunça” filosófica é ainda maior ao retratar loucuras, manias e futilidades de uma “pessoa” comum, argentina brasileira, imigrante (“eu ainda estou no Brasil”), misturada ao cenário de Nova York, lugar que Fellipe conheceu Laura, em 2001, quando tinha 20 anos e havia acabado de chegar a Big Apple para estudar cinema. 

A “personagem” dele traduz-se pelo que se tenta descobrir desta enigmática “primeira dama a frente do seu tempo”, “que não tem porta fechada em festas” e que se utiliza da combinação de “esperteza, vivência e sacanagem” para se proteger das “neuroses” alheias. A autoconfiança (protegida na crença inabalada de ser a melhor) ingênua, emotiva, compulsiva, dramática, teatral, sincera e superexposta (quase unilateral e quase bipolar) de Laura acorda a percepção de uma arrogância individualista, que caminha entre comentários sobre a cultura pop das celebridades; a presença em badalados eventos; a incursão (quase criminosa) em cinemas. 

“Eu não pareço uma Movie Star, eu sou uma Movie Star”, diz. Aos poucos, entendemos o verdadeiro significado do filme: ajuda terapêutica (financeira) para desvendar o que Laura tem em seu quartinho escondido e proibido de ser filmado. A equipe do filme alugou um outro quarto para que fosse possível a concordância da personagem “real” principal em “abrir mão” dos “tesouros guardados” (fitas beta, VHS, papéis, posters), assim a adjetivamos claramente como uma acumuladora excêntrica. Para que a equipe pudesse adentrar no universo obsessivo deste ser icônico, que vê a vida de famosos como “belezas efêmeras”, fez-se necessário engolir sapos e dançar a música da “rainha”. 

Fellipe Barboza disse ao Vertentes do Cinema que precisou ser abusado o suficiente para conseguir o material pretendido, alfinetando aos poucos o calcanhar de Aquiles de Laura. “Para o filme ser um sucesso tem que ser um pouco mais como eu quero”, disse. “Laura” representa a incompatibilidade do comportamento coloquial com a essência existencial. A “figura” filmada, uma viúva, busca a vida Disney, como uma criança mimada, sem muitos recursos, vivendo do “lixo” humilhante do glamour, de príncipes e princesas encantadas, e que tem no Oscar a consagração máxima de uma vida. “Há alguma coisa errada com a conexão com Deus”, defende-se. “Eu me amo tanto. Amor é uma coisa fictícia”, complementa. 

“Valho ouro e tenho ouro nas mãos”, desperta o sentimento de pena dos espectadores. Delírio, loucura ou encenação? Não se consegue detectar o que Laura quer. O que busca? Lobby para contatos de sua produtora (ainda como projeto)? “Isso é melhor que o Oscar. Fazer um documentário inteiro sobre esta dama é comprovar o quão interessante ela é”, diz-se. “Laura” discute a influência das celebridades em pessoas comuns, que desejam “ganhar” a mesma notoriedade popular, que por sua vez, desencadeiam o poder natural do reconhecimento. Um filme que merece a atenção. Recomendo.