A Fábula Comportamental de
Uma
Fibra Personificada
Por Fabricio Duque
A “doce” Amianto só queria um
amor perfeito, sentimento comum e unânime que todos buscam, mas são
interrompidos pela realidade nua e crua das subjetividades individualistas. Os
diretores Guto Parente e Uirá dos Reis – representantes da Alumbramento,
produtora ultra independente – traduzem em tela a crítica ao comportamento de
hoje em dia, que pode até ser interpretado como atemporal, por causa de sua
universalidade e obviedade dos sentimentos humanos e mundanos. A narrativa
reverte a própria estrutura cinematográfica. O conto apresenta a vida realista e
a realidade ficcional da história em si, a fantasia projetada ao exagero do querer.
A metalinguagem indica esta crítica ao indivíduo social, que possui tantas
opções que não sabe mais o que quer, gerando o vazio, o tédio e a banalização
do amor como referência brega e de aristocracia falida. Os excessos extravagantes reverberam desejos de se esperar mais do que já se tem na mão.
“Doce Amianto” faz pulular
literatura clássica, pop e marginal, misturando Charles Bukowski com Walt
Wittman, Gus Van Sant com Henri-Georges Clouzot, usando e abusando dos amigos,
como Ricardo Alves Jr. Como figurante em uma boate, e instaurando o equilíbrio
entre o lúdico e o surreal. “Doce Amianto” quer a paz do lado bom de amar, quer
ser vigiada por uma fada madrinha que se entrega como um personagem de Godard.
São inúmeros simbolismos metafóricos que aprisionam o espectador no maravilhoso
mundo de Amianto. De doce a relógios sem ponteiros. Cria-se a identidade sentimental
do desconforto do amor, que é protegido pelo status da futilidade alienante do
não envolvimento de ser "desimportante", engasgando-se com “gritos e
caminhos”. O clichê é usado como recurso narrativo proposital, deixando claro,
a opção pretendida: teatral e circense. A fada madrinha barbuda e o monólito azul
(enfeitado) do conhecimento, por exemplo, mostram o universo de realismo fantástico
e excêntrico do estilo brega e do luxo visto como “chique”. Os momentos mais “verdadeiros”
aparecem em epifanias existenciais de “videoarte” visual como a sereia no mar e
as imagens em preto-e-branco (um fado sôfrego), despertando assim a estética
conceitual.
Há dramas travestidos, poemas de amor, situações superexpostas
(como as pintas coloridas), histórias dentro de histórias, o deboche da
condição humana (hipocrisia), música da jam session do filme “Os Monstros”, “brincadeiras”
com o efeito de uma lente cinematográfica, poesia crua revestida de ingenuidade
e pureza. A “Doce” Amianto (uma fibra sedosa de alta resistência flexível e
durável) sofre com as incompatibilidades, solidões, rejeições e com a “morte”
da fantasia Barbie de ser. “Doce Amianto” é um filme para degustar, rir,
pensar, rever, descobrir referências (muitas na entrada do banheiro), que
mescla variações de Kitsch, lembrando Almodóvar e acima de tudo, mantendo-se
como um exemplar único de existência fílmica. Trocando em miúdos, é autêntico
ao “abocanhar” as inferências alheias e diversas, conservando o elemento
característico dos filmes da Alumbramento: o tempo narrativo de espera e de
captação dos silêncios pensantes. Recomendo!