Crítica: O Homem das Multidões


O Positivismo da Crítica 


 Por Fabricio Duque 

"O Homem das Multidões" integra o gênero de cinema-tempo, experimentado por cineastas como Karim Aïnouz (de "Abismo Prateado") e pelos diretores, em questão aqui, Cao Guimarães e Marcelo Gomes (de "Viajo porque preciso, Volto porque te amo"). Uma das premissas deste "manifesto cinematográfico" é personificar, em tempo real, as ações cotidianas dos personagens (tanto físicos quanto abstratos). A narrativa espera, contempla, vivencia os detalhes e as sutilezas das reações naturais do ser humana (como dormir, abrir os olhos e sentir medo ao se relacionar com outro semelhante). Talvez, este filme seja mais de Cao do que de Marcelo, porque completa a trilogia da solidão do primeiro diretor citado anteriormente, que conta também com "A Alma do Osso" (2004) e "Andarilho" (2007). 

Mas isto não vem ao caso. Quem ganha  a conjugação de estéticas é o espectador, que já é visto logo no início pela apresentação visual. A tela de exibição mostra uma caixa, como uma fotografia polaroide (nostálgica) em três por quatro, indicando o retrato de realidade encenada que todos nós nos comportamos quando tiramos uma foto dessas. Talvez, a 3x4 seja a essência naturalista de cada um. Ao meu lado, na primeira exibição do filme, que integra a Mostra Competitiva da Première Brasil, no cinema Odeon, do Festival do Rio 2013, ouvi de uma senhora conversando com o marido: "A tela vai abrir, a tela vai abrir". Eu ri. 

Os diretores objetivam confrontar técnicas cinematográficas e limites criativos. "É um filme quadradão. Vocês terão que ter paciência", disse Cao. "Refletir sobre a solidão deste personagem. Sopros e emoções do nosso cotidiano", complementa Marcelo. A trama conta o dia-a-dia de dois funcionários metroviários de Minas Gerais, Belo Horizonte. Juvenal, condutor de trem do metrô, enfrenta a impossibilidade de estar só, para se sentir melhor, ele se mistura na grande multidão da cidade. Margô, controladora de estação do metrô, não consegue se desprender das redes sociais, trocando o mundo real pelo mundo virtual. Assim, as multidões "individualizadas" se encontram, gerando possibilidades da mudança. A atmosfera transpassa sinestesia. 

O espectador sente a "carência" assistida, o tédio vivido e a total resignação (ora mostrada pelo simbolismo de só se ter apenas um copo em casa). Há várias formas de solidão, indicadas no filme pela fotografia espelhada e desbotada. "É gente demais. Fico atordoada", diz-se explicitando a incompatibilidade social. Desenvolve-se aos poucos as camadas psicológicas, as metáforas sutis e os quereres de seus personagens. Baseado livremente no poema homônimo de Edgar Allan Poe, o longa-metragem usa o próprio tempo como aliado, sem pressa e sem esperar muito coisa, assim como seu protagonista. Um exemplo poético, simples sem ser simplista, e que mitiga a complexidade humana com o viés da facilidade do entendimento popular. 



Contraposição da Crítica

Por Francisco Carbone

O Festival do Rio tem tradição bem esquisita com Karim Ainoüz e Marcelo Gomes: premia-los, seja pelo trabalho que for, sempre que eles passam por aqui. Acho um desserviço ao festival esse protecionismo besta, independente ambos serem excelentes. Essa regrinha vai ser colocada a prova finalmente agora, com essa nova produção que ele divide com Cao Guimarães. O filme não é ruim de fato, mas pra ser bom ele precisaria driblar os muitos problemas que tem. De cara, será a coragem dos diretores que ficará marcada na obra. Coragem de mostrar a banalidade do dia a dia como acredito nunca ter sido mostrada. A passos de cágado (e isso é um elogio, não se enganem) acompanhamos a rotina de um maquinista de metrô em BH, um homem sem amigos e sem contatos. Boa parte do filme se desenrola através de prosaicos atos desse cara, que não conversa e não se abre, nem com o publico. O "conflito" do filme se estabelece entre o principio de relação entre ele e sua controladora de tráfego, que está prestes a casar mas vive em condição de solidão só comparada a dele, e talvez seja o reflexo da vida dele que mostre bem como a vida dela está também a deriva. No papel parece tudo perfeito, mas personagem da excelente Silvia Lourenço mina o roteiro, porque sua situação é muito mais complexa que a do igualmente bom Paulo André, o que acaba vazando as fragilidades do roteiro e suas muitas pontas soltas. No fim das contas, o que o publico leigo vai alegar como "chatice" (o desenrolar completamente sem ação da vida de ambos) é exatamente a única coisa que me fascina aqui, um filme que carece de uma estrutura mais regular e um roteiro que acerta tanto num personagem quanto erra no outro.