Crítica: O (IL) Divo

A transgressão Exótica de Uma Elegância Sócio Política

Por Fabricio Duque


“Se não pode falar bem de uma pessoa, não fale nada”, de Rosa Falasca Andreotti, mãe de Giulio Andreotti. Com esta frase, o filme “Il Divo” é iniciado, conduzindo o espectador à humanização (por meio da narrativa exótica surrealista – como a cena do samba para convidados “elegantes” e drinks “Transgressão”) do político democrata cristão italiano, que ocupou por diversos mandatos o cargo de primeiro-ministro da Itália, e desde 1991 era senador vitalício por nomeação presidencial (falecendo em 06 de maio de 2013). O cineasta Paolo Sorrentino (de “Aqui É Meu Lugar”, “A Grande Belleza”) realiza um filme biográfico pelo viés do comportamento estranho, frio, epifânico e distante deste estadista que preferia ser conhecido “mais como homem culto”. 

O roteiro pulula adjetivos deste protagonista. “Bom ouvinte, bom em gracejos, tem perseverança, habilidade de concentração e resistência. Não é perigoso, é ousado”, diz-se, entre enquadramentos simétricos e não convencionais de uma câmera que “dança” como um balé de imagens, ora acompanhando, ora finalizando bruscamente o momento, ora sendo influenciado pela “batida” da música. O filme mescla o antagonismo do moderno e do clássico, quando utiliza música rock atual para registrar um momento nostálgico de Roma no início dos anos noventa (sem a intenção de datá-lo). A abertura-prólogo mostra a “eliminação das vítimas” (como a de Aldo Moro) pela máfia e pelo grupo Brigadas Vermelhas, a caminhada, a insônia, a visita aos “padres que votam”. Voltando à câmera, o que se vê soa como um videoclipe experimental. Há a lentidão, a grua que gira e o aumento da velocidade, tudo em uma mesma sequência, representado por música clássica e por assobios-assovios, e por cortes rápidos e verborrágicos (de imagens e diálogos – estes na maioria das vezes em monólogos). Ainda sobre a narrativa, percebemos a estrutura de bastidores, como se observasse a cena com distanciamento, registrando o registro. 

“A vulnerabilidade sempre gera aumenta nos preços”, diz e complementa “Não há nada além da política”. Se aprofundarmos, então entenderemos se tratar de um longa-metragem sobre a solidão (“mesmo com toda essa multidão”) e sobre como se lidar com a culpa (que gera a enxaqueca). “As reações incontroláveis que nos embaraçam também nos acalmam”, alfineta o nosso personagem principal com ironia atroz, senso de humor sarcástico e deboche com ingenuidade infantil. Esta “ópera política” é representada por imagens que inferem ao teatro grego, dramático e exagerado. “Eu sou transversal”, se autodefine, relatando acordos, subornos, tentativas de concorrer à Presidência. “Astuto ou perseguido? Acaso ou vontade de Deus?”, pergunta-se. As respostas são respondidas aos poucos e em flashes instantâneos de digressões explicativas. A direção metódica e sistemática de Paolo segue pelo caminho da neutralidade, sem querer criticar e ou “falar mal” do “personagem” escolhido, que “sempre foi absolvido”. 

É inevitável não perceber a influência do cinema de Sorrentino, ficando explícito em “Only God Forgives”, de Nicolas Winding Refn. Mais uma vez, o cineasta em questão aqui escala seu ator favorito Toni Servillo (de “Le conseguenze dell'amore – As Conseqências do Amor”, “A Grande Bellezza”). Digamos que é um filme difícil de ser definido como gênero e que a maquiagem e a construção do estadista incomodam, ocasionando uma atmosfera incrédula, que se comporta mais “brincando” de experimentar uma linguagem que a preocupação com o aprofundamento da própria trama. Em hipótese alguma é incompetente. As imagens são quadros de cuidados de perfeição máxima. As críticas contundentes dentro de uma superficialidade optada. Concluindo, um filme técnico irretocável, mas “frio e distante” assim como o “homem culto” personificado no ator sensação que o interpreta. Recomendo.