Crítica: Nós e Eu

O Nós Entre Nós

Por Fabricio Duque

É incrível como o diretor francês Michel Gondry consegue simplificar um tema complexo, utilizando-se pela união da realidade e ficção e pelo elemento geográfico de limitar o retrato comportamental de um grupo de estudantes negros apenas dentro de um ônibus, rodado inteiramente no bairro do Bronx em Nova York, nos Estados Unidos. A metáfora existencialista inicia-se desde o nome escolhido para o filme “The We and The I”, traduzido como “Nós e Eu”. Se analisarmos a estrutura literal da expressão linguística, perceberemos que o “The” inglês quer dizer mais do que um simples acompanhante do sujeito. O mesmo estudo acontece na língua portuguesa. 

O “Nós” (apenas) é diferente de “O Nós” (junto). Da última forma, há restrição do grupo que desejamos abordar. A estrutura sozinha cria o elemento genérico. Gondry está certo ao buscar especificar um grupo “amostra”, que questionará, discutirá e vivenciará momentos condizentes com o comportamento genérico dos jovens de hoje em dia. Ainda no título, há a presença marcante da filosofia. O “Nós” representa a coletividade social. O “Eu”, sinônimo de individualidade e ou solidão criativa (como pensamentos e gostos que definem a própria personalidade). Em um mundo cada vez mais livre, o próprio indivíduo busca o próprio mundo único e não habitado, mesmo precisando incluir seu “Eu” no “Nós” da convivência pacífica dos “semelhantes” (os outros). 

O espaço, entre o “Nós” e o “Eu”, é o que simplifica o elemento abstrato de estudo, e o conduz, com outra metáfora (a do ônibus – passageiros que entram e que saem, tendo conversas e acontecimentos, durando o período do percurso), ao concretismo realista da personificação comportamental, agindo como um documentário de observação terapêutica. E é este limite tênue que o diretor busca traduzir na tela, com seus habitais recursos cinematográficos de artesanato com tom amador. Há duas maneiras que o espectador pode assistir ao filme. Uma pela informação prévia, outra pelo total desconhecimento, como “caindo de paraquedas”. A primeira torna a experiência memorável de quase genialidade. A que sobra, soa, a princípio, como um filme de uma criança de doze anos com seu brinquedo novo (a câmera). 

Quando conferi a exibição no Festival do Rio do ano passado, vivenciei a segunda. Desprovido de informação devido ao tempo curto de programação entre os filmes, confesso que o achei ingênuo demais. Mas ao saber posteriormente que os diálogos, ações e até mesmo ângulos de câmera foram determinados por estes “atores-estudantes-no ônibus”, senti remorso e “corri” ao cinema para reassistir. Por exemplo, a briga entre o casal gay (dramática, passional, quase clichê) representa exatamente o que este casal gay (não ficcional) passou na época. Ou os “bullyng”, picardias, silêncios. É o retrato de uma época. A nossa. E o fato de colocar “não riquinhos” faz com que o questionamento real venha à tona. Concluindo, um filme cru, que incomoda tanto pela proximidade, que aprisiona seus personagens (como uma tortura psicológica), apresentando seus “Eu” como “cobaias” a “nós” espectadores.


Após o último dia de aula, um grupo de amigos está prestes a voltar para casa de ônibus, como já é de costume. O que eles não sabiam é que essa não seria uma viagem comum. De alguma forma, enquanto conversavam, contavam piadas e brincavam, eles acabam descobrindo uma máquina que torna as pessoas mais jovens e iniciam uma viagem através do tempo.