Crítica: A Espuma dos Dias

A Fantasia Realista Da Duração 
Temporal do Amor

Por Fabricio Duque

Podemos definir o diretor francês Michel Gondry com apenas um adjetivo: nostálgico, buscando o reviver a sinestesia da infância utilizando-se do cinema como instrumento catalisador. Se analisarmos seus filmes anteriores, perceberemos uma distância do cinema que vivemos hoje. O cineasta procura conservar o olhar do passado, com os mesmos recursos não evolutivos. É a clássica síndrome de “Peter Pan”, que consiste em “ter doze anos para sempre”, como disse o comediante Fernando Ceylão, dividindo o debate com o crítico-bonequinho do O Globo, Rodrigo Fonseca. 

O encontro aconteceu no Maison de France, em uma segunda-feira chuvosa e de protestos pela cidade. Mas voltando ao que interessa, Gondry cria um terreno infantil, como “um desenho tosco, com coisas meio ‘sujinhas’, meio quarto de criança bagunçado, de juntar quinquilharias” (continua Ceylão), porque é o ponto de partida é a própria visão da criança. Se aprofundarmos o assunto, sabendo de antemão que a fase infantil é mitigada de defesas politicamente corretas e de medos do que o caminho irá mostrar, então entenderemos que o que o diretor nos mostra se configura como a parte mais pura da verdade humana, sem máscaras, hipocrisias, limitações. É a própria essência intrínseca da alma de um ser. Seu jeito onírico, afetivo, com jeito brincalhão, “uma mistura de Walt Disney com Jacques Tati”, utilizando efeitos especiais analógicos, como um exemplo dos filmes B, é o que representa seu cinema, construindo de forma autoral e artesanal uma narrativa palpável e escapista. 

Seu mais recente filme “A Espuma dos Dias” não poderia ser diferente. A trama acontece pelo humor das cores, transpassando ao espectador a sinestesia do estado de espírito, conduzindo por uma narrativa fantasiosa (Disney) e pelo existencialismo poético (como “Pele de Asno, de Jacques Demy) e simples (Tati). Trocando em miúdos, é quase uma releitura de “Brilho Eterno de Um Mente Sem Lembranças”, quando metaforiza as dores, que são personificadas em uma realidade animada (a dança “maluca”, o sapato cão), angustiante, utópica (livro em comprimido) linear, depressiva, crua, realista (quando mostra os cabos e fios de Paris), ingênua (como a casa de espelhos de um parque de diversão, o lega, o cubo mágico), metalinguístico (o disco visual de Duke Ellington), mas sempre com a esperança do amor (que nunca morre). Gondry é um apaixonado de carteirinha, e traduz essa passionalidade com extrema competência na tela. As referências são explícitas querendo ser sutis. Há Jean-Paul Sartre, Woody Allen, Chaplin e por aí vai. “Eu exijo me apaixonar”, diz o protagonista. Quando estive em Paris, maio de 2013, pude conferir a exposição do carro transparente (foto abaixo) na loja Peugeot da Avenida Champs Elysees, e a mesma cena aparece no filme, logicamente, sem mim. É inevitável não referenciar a “A Metamorfose”, de Franz Kafka, já que o filme em questão aqui é baseado no clássico francês homônimo de Boris Vian. O longa-metragem não foi muito bem recebido lá visto que os fãs da obra literária ficaram com os “pés atrás” e de certa forma, deram um “gelo”. 

É uma pena, porque o filme, além de ser o mais puro cinema de Gondry, ainda representa fielmente o livro, sem copiá-lo. O roteiro determina o caminho. Os lugares ficam menores e as cores somem. É a personificação da tristeza, da perda iminente. Gondry valoriza “o improviso dos atores”, que se comportam conectados, integrados, cúmplices e que “transgridem o real”. Outro elemento de extrema importância é a trilha sonora. O diretor “cria um universo imagético pela música, quase um Buñuel, de fruição física”, disse Rodrigo Fonseca a uma plateia lotada. A música apresenta-se como personagem, presente, participativa, indutora, informação que captaremos melhor se conhecermos o início de sua carreira. Gondry dirigiu inúmeros videoclipes, entre eles o da cantora islandesa Bjork e entendeu o cinema como “corpo físico” ao assistir “A Viagem do Balão Vermelho” aos nove anos. Se o filme “Jards”, de Eryk Rocha é a “alma” do músico Jards, aqui, esta obra necropsia a visão de cinefilia de Michel Gondry. Concluindo, o espectador necessita visualizar além do óbvio mostrado. Há poesia realista (pela fantasia) e há otimismo do amor (crer na duração infinita e incondicional). Não perca! Recomendo. 

Colin (Romain Duris) é um homem rico e despreocupado, que nunca precisou trabalhar. Tímido, ele nunca teve muito sucesso com as mulheres, até ser apresentado a Chloé (Audrey Tautou) durante uma festa. Apesar de um primeiro encontro desastroso, os dois se apaixonam e se casam. O casal está sempre cercado pelos amigos Nicolas (Omar Sy), um cozinheiro talentoso, oChick (Gad Elmaleh), um intelectual pobre e fascinado pelo filósofo Jean Sol-Partre, e a extrovertida Alise (Aïssa Maïga). Tudo caminha bem, até o dia em que Chloé é diagnosticada com uma doença rara: ela tem uma flor de lótus crescendo dentro do seu pulmão. O caríssimo tratamento exige o uso de diversos medicamentos e a aplicação de centenas de flores, levando Colin à falência, e a amizade do grupo à crise.