Crítica Convidada: Antes da Meia-Noite

Da Rotina Sai A Matéria-Prima de 
Antes da Meia-Noite

Por Pedro Tavares
(http://www.cinemaorama.com)

Nada mais sincero que justificar uma sequência cinematográfica por ela mesma. Nos primeiros minutos de Antes da Meia-Noite, o diretor Richard Linklater dá o tom ao filme que encerra a trilogia do “Antes” através de uma conversa descontraída. Nela, o encontro de culturas e a necessidade de contar boas histórias parecem necessários até os confins da terra. Ao mesmo tempo, esmiúça de forma bem humorada a famigerada frase “... e viveram felizes para sempre” dos romances. Econômico em planos para desvendar a dimensão do tempo em seus personagens e sem mudar a metodologia de Antes do Amanhecer e Antes do pôr-do-sol, o terceiro capítulo se dá em longas sequências, as tradicionais caminhadas do casal protagonista e diálogos desconcertantes.

E Linklater nos posiciona diante de um furacão. Em férias na Grécia, o casal formado por Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) põe em cheque a maturidade e a responsabilidade de criar filhos e ter contas a pagar. O norte comum de qualquer relacionamento se dá justamente na forma híbrida que Linklater conduz seu filme. Não há tangentes para bem ou para o mal ou para a crise e para a felicidade. Sobreviver é uma arte para qualquer relação afetiva. Em Antes da Meia-Noite a dimensão do tempo é desenhada em sua máxima com ajuda de Hawke e Delpy, também como roteiristas. E deles é a melhor acepção da assombração criada pelo futuro, pela velhice e pelo fim. Jesse e Celine se esquivam nas lembranças dos sonhos aos 23 e do encontro aos 32, pois, ao mergulhar no “hoje”, aos 41, dentro de uma suíte de hotel, encontramos a melhor sequência do filme. Sincera e corajosa para, às avessas, ser o clímax, ou resultado de anos de convivência.

Da rotina - ou do tempo que separa o segundo e o terceiro filme - sai a matéria-prima de Antes da Meia-Noite. O tempo pode destruir relações ou forçar o comodismo, mas o grande trunfo está presente por toda duração do filme – em nenhum momento estamos diante de um conto sobre amargura e desilusão. Pelo contrário, vemos constatações comuns que fogem o tema principalmente quando o se trata de cinema e mercado. Outra jogada astuta de Linklater ao dominar a crueza do assunto e a demanda de seguir uma forma consagrada.