Crítica: Camille Claudel 1915

O Contraste Explícito 
Do Real Antagonismo

Por Fabricio Duque


O diretor francês Bruno Dumont (de “A Vida de Jesus”, “Flanders”, “A Humanidade”, “O Pecado de Hadewijch”) sabe muito bem escolher os atores. Em seu mais recente filme, “Camille Claudel 1915”, convida Juliette Binoche (“A Vida de Outra Mulher”, “Perdas e Danos”, “Cópia Fiel”) para viver a personagem principal do título. Chega a ser redundante exteriorizar a competência desta atriz que se expressa, intrinsecamente, por um olhar dotado de sutilezas, camadas sinestésicas, transposições sentimentais, emoções diversificadas e que influencia o restante do rosto, conjugando o sorriso, o choro, a euforia, tristeza, leveza, silêncio e desespero, muitas das vezes, em uma única cena e ou em um único instante. 

O cineasta escolhe a estrutura do romancista histórico Victor Hugo, de “O Corcunda de Notre Dame”, que humaniza a deformidade física e ou mental, confrontando estes “seres” com a sociedade “sã”. Assim, percebe-se por contraste explícito o real antagonismo. No filme, a câmera superexposta, em planos detalhes do rosto, indica imperfeições naturais (como a falta de dentes em uma boca quase destruída), de pessoas que não “conseguiram” privilégios, e cria o contraste com a artista plástica (que “ganha” regalias e exceções), defendendo o drama moderno e cruel (a peça teatral encenada por esses “deficientes sociais”), com a coexistência do sublime e do grotesco (quase uma caricatura incômoda). O roteiro parte do viés da protagonista, construindo tentativas consistentes de que ela pudesse provar sua sanidade. 

Em um prólogo rápido e conciso, o espectador recebe a informação de que Camille está em um hospício mantido por religiosas. Pergunta-se então o verdadeiro motivo. Com narrativa naturalista, fazendo lembrar “L'Apolonide - Os Amores da Casa de Tolerância”, de Bertrand Bonello, o cenário é ambientando. A escultora francesa, retratada no período após internação e ruptura com o escultor francês Auguste Rodin, aprende a conviver com a loucura explícita, transpassando apenas um estágio depressivo (com algumas alucinações). A trama acontece aos poucos, respeitando o tempo real e não cinematográfico e sendo fotografada por uma luz de brilho fosco. Percebemos que quando se interna alguém, o que é dito pela “possível doente” é simplesmente consequências da loucura, captada por plano longo, em monologo verborrágico e visceral. 

Mas em certo momento “ilumina-se” que há uma loucura escondida, defensiva, complexa, não óbvia, com direcionamentos bipolares e com uma “situação genuína”. Corta-se. Em outro tempo, outro lugar, o irmão (interpretado pelo ator Jean-Luc Vincent – afetado e teatral), mais reflexivo, esperado por uma irmã ansiosa, explica (utilizando-se do gatilho comum de se fornecer informação direta e de uma única vez) alguns porquês (internada por desprezar os outros), citando Arthur Rimbaud a um padre (talvez “confessando” a homossexualidade) e encenando outro monologo de “ser cristão”. Quando os familiares se encontram, ele que simboliza a sociedade comporta-se com “a loucura da individualidade”. 

Ela solidária, calma, sabendo lidar com o tempo parado e com os “loucos” naturais personifica a “prisioneira” que se liberta de tudo e de todos, inclusive dela mesmo. “A genialidade tem seu preço”, finaliza-se. Bruno conta a história de um ano na vida de Camille. Já o xará Bruno Nuytten, em 1988, prefere a biografia romanceada da figura entusiasmada que impressionou Rodin. São filmes diferentes. Tempos diferentes. O que está em questão aqui caminha pela cadeia psicológica e comportamental, fornecendo espaço à dor e às questões referentes da saúde mental. Juliette Binoche está incrivelmente entregue a seu papel, redefinindo o gênero autoral de cinema. Não é mais uma obra do diretor e sim, inteiramente, da atriz. Concluindo, um longa-metragem que busca mais o conteúdo do que a estética fílmica propriamente dita. Recomendo.