Crítica: A Parte dos Anjos

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Por Fabricio Duque

"A Parte dos Anjos" configura-se como a metáfora da condução do novo filme do diretor britânico Ken Loach. O título referencia a expressão usada no universo das destilações de uísque, quando explica que sempre há uma parte do volume de álcool que evapora durante o envelhecimento da bebida nos barris. A inferência sutil, porém explícita, acompanha o caminho de indivíduos sociais que tentam sobreviver no impessoal mundo atual, tendo a subjetividade como estilo de vida. Cada vez, estes seres têm seus sonhos e perspectivas de futuro "evaporadas" e precisam da adaptação cotidiana a fim de suportar os percalços preconceituosos e julgadores dos próximos alheios. Se conhecermos a vida pessoal do diretor, então entenderemos a estrutura narrativa de suas obras. Ken Loach é filho de operários e definiu o cinema que faz pela descrição das condições de vida da classe operária que conheceu muito bem, principalmente do conjunto de complexos populares de Glasgow. Outra característica encontrada em sua filmografia é o elemento realista, criando a sensação ao espectador de narrativa quase documental, principalmente pela câmera que não se faz presente (propositalmente invisível e não perceptível). É como se assistíssemos um reality show da vida privada, com uma equilibrada conjugação de ritmo, edição e tempo. Ken Loach busca também incluir princípios básicos da existência humana, como vingança hereditária, solidariedade, respeito e luta para se tornar "subir" na classe social, este último sendo, para eles, a única opção de "crescimento" individual. A naturalidade  ingênua das ações simples resumo o contexto, como no diálogo. "Eca! Uísque, que gosto de merda", diz-se. "Você é Filipino?", rebate-se. Outra informação prévia, para que possamos degustar melhor o filme, atinge o lado antropológico comportamental dos ingleses, que se dividem em adjetivos como "toscos", "o idiota" alienado;  a "escória"; grosseiros e escatológicos; dramáticos, carentes, vitimados e defensivos; de humor nervoso, intolerante e impaciente; de temperamento violento - partindo à agressão física e ou verborrágica. Nem todos são assim, mas é desta forma que o filme os apresenta, e ainda embasa os seus porquês. A violência empregada resulta-se do pacote recebido ao nascer. A trama constrói respostas junto à visão de quem assiste, juntando peças em um quebra-cabeças de estrutura fácil, mas sem perder a simplicidade perspicaz intrínseca da alma humana. Robbie (o ator Paul Brannigan, de "Under The Skin") mora no subúrbio, sua namorada está grávida, absolvido da prisão, precisa prestar serviços comunitários. Lá, conhece outros jovens "problemáticos" (de pequenas infrações e furtos). Ele recebe a chance, um "dom" de modificar a sua vida e projetar um recomeço. O longa-metragem referencia também, superficialmente, a história de Romeu e Julieta, por impedir que o casal viva um relacionamento tranquilo. A parte inicial realiza um ácida crítica a Justiça, quando permite que se gaste tempo com julgamentos de "fracassados" e ou "pequenos ladrãozinhos" (drogados, bêbados e afins). Não há como negar. O espectador torce por estes "anjos perdidos". E é assim que se instaura a percepção maniqueísta do ser. Concluindo, o filme é mais um exemplo do cinema autoral, adulto, competente, incisivo e operário do diretor Ken Loach. Ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2012. Vale à pena conferir!