Crítica: Na Neblina

A Fogueira Ética Congelante

Por Fabricio Duque

Ética. É a parte da filosofia dedicada aos estudos dos valores morais e princípios ideais do comportamento humano. Vem do grego e traduz-se como caráter, parte integrante da nascença de todo indivíduo. Tema questionado e estudado pelo filósofo russo Fiódor Dostoiévski, considerado o fundador do existencialismo, escrevendo fábulas comportamentais, exemplo para "O Idiota", gente pobre, sofrida, sem expectativas na vida, e que busca a resiliência como fio condutor a fim de transpassar a trajetória "obrigatória".  O escritor aprecia o próprio processo da vida como um dom incomparável e, ao contrário do determinismo e do pensamento materialista, preza o valor da liberdade, integridade e responsabilidade individual. O preâmbulo explicativo resume praticamente a linha psicológica objetivada do filme "Na Neblina", parte integrante do novo cinema russo (que reitera quase as mesmas características do anterior). A direção fica por conta de Sergei Loznitsa (de "Minha Felicidade"), abordando com teatralidade realista (remetendo aos ensaios de Samuel Beckett - sem a acidez silenciosa) a conservação de se autodefinir um "idiota". Palavra que simboliza a liberdade, a contracultura, sair do senso comum plastificado da sociedade, pensar diferente e com vertentes abrangentes, sem a limitação da opinião pré concebida. Ser idiota é lutar contra a guerra. É acreditar nos valores morais que o ser humano deve ao outro alheio próximo. O roteiro constrói-se com tempo e sem pressa, apresentando os elementos como atos e instigando o espectador à confrontação do próprio julgamento, percebendo que a morte não representa o fim e sim a transcendência da crença mais enraizada. A trama insere três personagens (cada um com seu grau de protagonismo), intercalando passado explicativo com presente vivido. A digressão mostra o porquê das consequências atuais (o que o espectador vê). Pode ser confuso no início, porque não indica a regressão, mas quanto mais o filme acontece, mais entendemos que o diretor resolveu respeitar nossa inteligência e nosso poder de juntar as peças do quebra-cabeça. A história é simples se fosse linear. Desta forma, cria metáforas por detalhes sutis, personificando o material (alimento, vestuário) como linha permeada, em uma guerra na União Soviética de 1942, de um lado os nazistas, do outro a Bielorrússia. Valores de vingança política, necessidade de pertencer à pátria, morrer pela crença (ou por ter acreditado tanto tempo) são praticamente resumidos nos diálogos finais. Eles já estão mortos. São invisíveis a eles e aos outros. Vivem por sobrevivência de mais um dia ou dois. São "idiotas", "animais", porque não traem a própria moralidade, mesmo envolto em achismos mentais bagunçados e confusos. O filme traduz o lado mais bruto do indivíduo, o que precisa escolher entre roubar um pão ou morrer dignamente. A relatividade maniqueísta não encontra a possibilidade externa: é apenas o sim ou o não, o certo ou o errado, a liberdade ou o purgatória mundano. A "neblina" esconde, oculta e engana, servindo de metáfora ao sentimento de fracasso ou derrota, motivando até ações ingênuas, porém dotadas de sinceridade crônica na utopia exigida para que alguém seja apenas um digno sujeito e não um sujeito digno de pena. Concluindo, um longa-metragem que desperta a discussão de se conservar a ética moral em um mundo atual, extremamente cruel, competitivo, capitalista e se luta contra os "idiotas". Não sei se "viajei" na batatinha (alimento visto no filme), mas lembrei de "Os Idiotas", de Lars von Trier. Um excelente exemplo de antropologia analítica. Em 2012, foi o vencedor do prêmio Fipresci no Festival de Cannes (sendo indicado também a Palma de Ouro).