Crítica: Primeiro Dia de Um Ano Qualquer

A Arte de Domingos Oliveira 

 Por Fabricio Duque 

O cineasta e dramaturgo Domingos Oliveira é um “workaholic” (apresentou um novo filme e já espera para lançar outro), extremamente viciado na profissão que escolheu: a de captar momentos cotidianos, abordando a amizade e o amor de forma humanizada, sem clichês, poética, realista, e mesclando as histórias com altas doses de sarcasmo inteligente, refinado, acadêmico, popular, mas sem apresentar didática. O cinema de Domingos comporta-se como um teatro filmado, não pelos diálogos, que além de perspicazes, intercalando filosofia e linguagem coloquial, traduz todo universo do nosso Woody Allen brasileiro, título que concordo em gênero, número e grau. O teatro é percebido pelo exagero da cena, que passeia pela estética de um filme do diretor italiano Frederico Fellini e pelo existencialismo de uma realista sessão terapêutica. Em seu mais recente filme “Primeiro Dia de Um Ano Qualquer”, os acontecimentos amorosos, familiares e amigos acontecem um dia após o réveillon, criando a metáfora perfeita para transformação de cada um de nós. O simbolismo indica um “reset” nos problemas e afins, e que a “nova vida” será promissora e tranquila, exemplificado pelos fogos de artifício de Copacabana, a estadia bucólica de uma casa de campo, a música clássica, e a frase inicial “Sou escritor por causa da diversidade das pessoas”. Não podemos negar que o formato narrativo tende ao amadorismo (às vezes ao constrangimento, como por exemplo, a cena da sauna e do momento embaraçoso do “rico”) de se pegar uma câmera e filmar, porém o que importa realmente não é a imagem e sim o texto. As percepções de Domingos são altamente questionadoras, corrosivas, munidas de uma verdadeira pureza agridoce. “Se você não gosta de gente, a culpa é sua”, diz quando lê “A arte de envelhecer”, de Cícero, complementando com “Eu não sou velho, sou antigo”. Outro personagem “lança” “Felicidade é o ócio sem culpa e sem tédio”, enquanto mistura whisky e drambuie. A referência mais alfinetada foi a da “repórter de blog” (como algo de destruição cultural); a mais engraçada aconteceu com Ney Matogrosso quando recebeu uma nota baixa no videokê. “Amor não é para entender, é para decorar”, as frases definidoras pululam sem esgotamento. “Miscigenação: ricos com pobres”, “Liberdade dói, mas não faz mal”, “me esqueceram no cinema, que honra”, e por aí segue intenso, divertido, analítico, fazendo o espectador pensar na cadeira de cinema e com um elenco de ouro: Maitê Proença, Priscilla Rozenbaum, Domingos Oliveira, Ricardo Kosovski, Alexandre Nero (que disse que este foi o seu melhor papel) e outros. O filme foi filmado em dez dias e feito por amigos. Vale à pena!