Crítica: Polissia


Ficha Técnica 

Direção: Maïwenn 
Roteiro: Maïwenn, Emmanuelle Bercot 
Elenco: Karin Viard, Marina Foïs, Joey Starr, Nicolas Duvauchelle, Maïwenn, Karole Rocher, Emmanuelle Bercot, Frédéric Pierrot, Arnaud Henriet, Naidra Ayadi, Jérémie Elkaïm Fotografia: Pierre Aïm 
Trilha Sonora: Stephen Warbeck 
Produção: Alain Attal 
Distribuidora: Vinny Filmes 
Estúdio: Canal+ / Arte France / Wild Bunch 
Classificação: 14 anos 
Duração: 127 minutos 
País: França 
Ano: 2011

 


Os Bastidores Interativos e Investigatórios dos Crimes Sexuais

“Polissia” integra o gênero de filmes que buscam exacerbar o realismo, abordando o tema polêmico do abuso sexual de crianças. Devido ao assunto em si, é inevitável ao espectador o envolvimento com a história, gerando a sinestesia interativa, porque quem assiste participa como observador (e principalmente julgador) da trama apresentada. Não há como permanecer imune. Os acontecimentos narrativos estimulam questionamentos, éticas, soluções e raivas de cada um de nós. É como se fosse um relato sobre as consequências dos profissionais “habilitados” a lidar com perversões e ou distúrbios mentais da alma humana. Diariamente, um grupo especializado da polícia francesa precisa lidar com duros crimes envolvendo crianças. A rotina envolve prisão de pedófilos, interrogação de pais abusivos e o confronto com menores infratores. Dentro deste universo, a vida privada de cada policial encontra pouco espaço, apesar de ser difícil manter o equilíbrio entre as duas partes. Essa dinâmica sofre sérias mudanças quando Melissa (Maïwenn, a diretora do filme em questão aqui), uma fotógrafa enviada pelo Ministério do Interior, passa a acompanhar as missões.

O longa-metragem ganhou o Grande Prêmio Do Júri, em 2011, no Festival De Cannes. A diretora Maïwenn (de “O Baile das Atrizes”, “Pardonnez-moi”) optou pela atmosfera de dentro para fora, imergindo totalmente o espectador. A escolha pelo cinema “submarino” funcionou. O roteiro, que a cineasta divide com Emmanuelle Bercot, aborda a hipocrisia da imparcialidade. Um indivíduo social é acima de tudo um ser humano, dotado de sentimentos, crenças, individualismos, idiossincrasias, vontades, desejos, possuindo preferências diversificadas sobre até um mesmo tópico. Então, chega a ser lógico, que o setor social (e legal), responsável pela resolução de crimes sexuais, necessita ser imparcial todo instante, não podendo elucubrar opiniões próprias e com desígnios julgadores. Mas quem vivencia estes “desafios”, muitos entrando no campo do surrealismo de tão complexos e inaceitáveis perante o meio que se vive, possui argumentos individuais contras ou a favor. Imagine a cena: um pai qualquer é pego violentando a própria filha de cinco anos. A legislação precisa ser totalmente justa e conciliadora. Mas e as pessoas (tanto juiz, quanto policial e até mesmo os envolvidos) precisam ser imparciais também? É impossível cada um não tecer algum comentário destrutivo e radical. No julgamento, a decisão deste pedófilo poderá ser o hospital psiquiátrico, porém a maioria decidiria a pena de morte. É com tudo isso, que estes profissionais lidam, sem esquecer que a própria vida pessoal precisa ser vivida. Então, há pressão, desespero, raiva, estágios a flor da pele. E este tom que Maïwenn deseja transpor à tela escura.

Assisti ao filme no último Festival do Rio, em 2011, no cinema Estação Vivo Gávea, após outro filme de temática semelhante, “Michael”, de Markus Schleinzer, e confesso que a “dobradinha” gerou uma enorme discussão sobre o certo e o errado de se julgar alguém, tanto no quesito legal (lei), quanto no pessoal (caráter). A minha opinião sobre este tema é irrelevante, mas precisamos dar o crédito ao que acontece após o espectador “absorver” as ideias presentes na película. O mérito do filme é delegar a responsabilidade do autojulgamento aos personagens, isentando o roteiro de “tomar partido”, deixando este imparcial, como apenas um relato de um polêmico tema. Uma das percepções é a “ausência” de voz da diretora-atriz, realizando o trabalho de apenas fotografar os casos. Os atores escalados participam da nova safra de cinema francês, integrando-se aos papéis que vivenciam. São quase participantes de uma ficção documental, sem expor o limite entre a interpretação e a realidade. Por causa desta “entrega” total, o filme incomoda (no melhor sentido do verbo) demasiadamente, gerando o desconforto e arrebatando quem assiste. É uma história que disseca, no cerne da questão, um problema real e presente na nossa sociedade. O título original “Polisse” pode ser traduzido como polícia, representando o óbvio, mas também mais aprofundado, como “para educar”, “Aperfeiçoar”, “tornar-se refinado”, “punir”. Se até o dicionário fornece opções argumentativas, por que limitamos nossas ideias? Vale à pena assistir. Recomendo.

 

A Diretora 

 Maïwenn (Maïwenn Le Besco, nasceu na França em 17 de abril de 1976. Começou a carreira como atriz e trabalhou com diretores como Luc Besson, em O Quinto Elemento (1996), e Claude Lelouch, em Les Parisiens (2004) e A Coragem de Amar (2005). Em 2006, estreou como diretor, com o longa-metragem Pardonnez-moi, que lhe rendeu duas indicações aos César, incluindo melhor filme de estréia. Em 2009, dirigiu Le bal des actrices.