Crítica: Xingu - O Filme

Ficha Técnica

Direção: Cao Hamburger
Roteiro: Elena Soarez, Cao Hamburger, Anna Muylaert
Elenco: João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat, Maiarim Kaiabi (Prepori), Awakari Tumã Kaiabi (Pionim), Adana Kambeba (Kaiulu)
Tapaié Waurá (Izaquiri), Totomai Yawalapiti (Guerreiro Kalapalo), Maria Flor, Augusto Madeira, Fabio Lago
Fotografia: Adriano Goldman, ABC
Música: Beto Villares
Montagem: Gustavo Giani
Produção: Fernando Meirelles, Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck
Produtora: O2 Filmes
Co-produção: Globo Filmes
Distribuição: Downtown Filmes, Sony Pictures e RioFilme
COTAÇÃO: MUITO BOM





A opinião

“Xingu – O Filme” apresenta-se como material antropológico de forma ficcional, utilizando elementos livremente inspirado nas histórias do diário “Marcha para o Oeste”, escrito pelos irmãos Villas-Bôas, Orlando (vivido pelo ator Felipe Camargo, de “Jogo Subterrâneo”, “O Dia da Caça”), 27 anos, Cláudio (encarnado por João Miguel, de “Estômago”, “Jogos, Aspirinas e Urubus”), 25, e Leonardo (interpretado por Caio Blat, de “As Melhores Coisas do Mundo”, “Cama de Gato”, “Inquilinos”), 23, que se alistaram na expedição Roncador-Xingu, missão desbravadora pelo Brasil Central. Numa viagem sem paralelo na história, com batalhas, 1.500 quilômetros de picadas abertas, 1.000 quilômetros de rios percorridos, 19 campos de pouso abertos, 43 vilas e cidades desbravadas e 14 tribos contatadas, além das mais de 200 crises de malária, os irmãos conseguem fundar o Parque Nacional do Xingu, um parque ecológico e reserva indígena que, na época, era o maior do mundo, do tamanho de um país como a Bélgica. “Pô, é maior que a Bélgica. Não, a Bélgica que é pequena”, eles riem. O responsável por transpassar esta documentação ao cinema é o realizador paulista Cao Hamburger, dos filmes “O Ano Que Meus Pais Saíram de Férias”, “Castelo Rá-Tim-Bum O Filme” e das séries metalingüística de televisão “No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais”, do Canal Futura, e “Filhos do Carnaval”, da HBO. O diretor disse que o objetivo do filme é “proporcionar” o conhecimento geográfico, realista e humanizado da vida dos índios, inclusive aos próprios brasileiros. É verdade. Nós não podemos ser hipócritas ao esconder nossa falta de informação. Visualizamos um lugar exótico, utópico, longe de tudo e todos, e tentamos acreditar que esta área está preservada, totalmente integrada com os índios e livre de interferências externas e governamentais. Ledo engano. A construção da represa Belo Monte ajudará a suprir a demanda por energia do Brasil nos próximos anos.


Mas o Coordenador de um painel de especialistas críticos ao projeto, Francisco Hernandez, pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, afirma que "Isso causará uma redução drástica da oferta de água dessa região imensa, na qual estão povos ribeirinhos, pescadores, duas terras indígenas, e dois municípios". É verdade. O Rio Xingu é a principal fonte de água e alimentos para uma população de cerca de 4.500 índios que vivem no Parque. O roteiro cinematográfico inicia-se com o desejo de aventura destes irmãos, que largaram tudo pela vida na mata, incluindo esconder a própria alfabetização. Começam brancos, ávidos por “conquistar” uma história radical a mais para que possam, ao retornarem, contar o que vivenciaram. Porém o querer apenas pela diversão os transforma, principalmente pela cor de pele, que cada vez, percebemos que estes desbravadores estão mais vermelhos e mais índios. “Liberdade mesmo, só no Sertão”, diz-se dentro de uma narração existencialista, utilizando música à la Sigur Rós, e estilizada, mesclando poesia real com realidade bruta, complementadas com críticas ora sutis, ora explicitas, como “Chamam de terra desocupada, mas tem dono”. O começo do filme representa o próprio povo brasileiro que desconhece aquela área “selvagem”. E assim, analisa a estrutura antropológica e antropofágica de um país, no caso o nosso. A lógica é simples. É inevitável a influência mútua ao colocarmos dois povos diferentes frente a frente. De um lado, temos os índios, que sobrevivem do próprio trabalho, da caça, pesca, com tradições éticas, terapêuticas e religiosas. Do outro, os brancos, que já absorveram inúmeras transformações e “mutações”. Quando este encontro se faz presente, os dois perdem e os dois ganham, dependendo do ponto de vista extremamente subjetivo, caso questionemos o que é evolução. São percepções sem o certo e errado. O maniqueísmo é social e instaurado por já quem tem a “maldade” projetada pelo conhecimento desmedido e ininteligível.


Os brancos, achando-se superiores, e melhores, resolvem “catequizar” essas puras criaturas, trocando atenção por presentes e doenças, esta última necessitando de vacinas a fim de proteger algo que foi injetado. Então, numa conclusão prévia, a melhor forma de proteção aos índios é deixar com que continuem vivendo sem a interferência do homem branco. O filme transpassa emoção e sentimento na medida certa, sem a busca do clichê e sem incluir gatilhos comuns. A fotografia, sépia, saturada ao contraste, brilhando por causa do calor, mas conservando a nostalgia dos anos quarenta, totalmente com a atmosfera atemporal. A narrativa procura o amadorismo proposital, quase documentário, com qualidade, competência, elegância e leveza, aludindo ao gênero novelesco por ser épico e clássico. “Não eram selvagens, só outras civilizações”, define-se. Por causa dos brancos, os índios conheceram a gripe. E pela vida na aldeia, os brancos pegaram malária inúmera vezes. É aí, que captamos a maestria da trama. Os irmãos entendem que o simples fato do contato com esta outra “civilização” já era devastador, e tornam-se “índios”, os protegendo dos outros homens brancos, isolando e travando combates (por causa dos contratos quebrados). “O inimigo é o branco”, dizem. Com elipses temporais, o roteiro apresenta o processo de construção do parque. Consegui referenciar o filme “A Praia”, de Danny Boyle, que usa semelhante estética narrativa. Há aqui o processo inverso de colonização, após ativarem mortes aos indígenas e talvez a principal delas, fornecer espelhos, metáfora do autoconhecimento pela imagem que se deseja mostrar ao outro. Há ainda o projeto da Transamazônica, imagens de arquivos, a destruição da mata e as tentativas de reconstrução. É como se mordesse e depois assoprasse. Finalizo citando a frase da mulher de Orlando, Dona Marisa, que resume tudo o que já foi abordado aqui “No Xingu,nada é por acaso”. Concluindo, um filme necessário, obrigatório, principalmente aos brasileiros. Vale à pena! Recomendo.

Trailer + Coletiva de Imprensa (Produção Vertentes do Cinema)



O Diretor

Cao Hamburger, nascido Carlos Império Hamburger, em São Paulo, 1962, passou a infância no bairro do Butantã, região Oeste de São Paulo. Filho dos cientistas Ernest e Amélia Hamburger, de quem teve grande incentivo para as artes, quando criança frequentou aulas de música e teatro com amigos da família. Seu tio, irmão de Amélia é o renomado cenógrafo e artista plástico Flávio Império. Estas influências se refletiram na escolha de sua profissão e de seus irmãos: Cao é cineasta, Sônia produtora de cinema, Vera diretora de arte, Fernando é fotógrafo e Esther professora de Comunicações e Artes. Hamburger tornou-se um diretor premiado tanto pelos trabalhos para a televisão quanto para o cinema. Em destaque está o sucesso da década de 1990, Castelo Rá-Tim-Bum, transmitido pela TV Cultura que, posteriormente, o fez ingressar nos longa-metragens com um filme relacionado a série, Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme, de 1999. Tornou-se conhecido pelas obras voltadas ao público infantil, bastante conceituadas por seu perfil educativo e ao mesmo tempo divertido, em séries como: Um Menino Muito Maluquinho (2006), Disney Club (1996), Perigo, Perigo, Perigo! (1992), Os Urbanoides (1991), entre outros. O filme O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias é um marco na carreira do diretor, referente à sua transição de plateia. O longa-metragem recebeu uma série de prêmios e uma indicação ao Urso de Ouro do Festival de Berlim, em 2007, e trata da história de Mauro, um garoto de 12 anos que é separado dos pais na época da ditadura militar no Brasil, e é acolhido pelos moradores da comunidade judaica do bairro do Bom Retiro. O filme fala da compaixão e superação com assuntos bastante marcantes para a década de 1970, não só o período ditatorial, como a famosa Copa do Mundo de Futebol de 1970. Seu novo projeto é Xingu, um filme sobre a história dos irmãos Villas Boas, idealizadores do Parque Nacional do Xingu. Está sendo filmado na Amazônia com participação de índios moradores do parque, e previsto para ser estreado em 2011, no aniversário de 50 anos do parque.