Crítica: Raul - O Início, O Fim e O Meio

Ficha Técnica

Direção: Walter Carvalho
Roteiro: Leonardo Gudel
Elenco: Raul Seixas, Tom Zé, Paulo Coelho, Kika Seixas, Penna Seixas, Pedro Bial, Caetano Veloso, Zé Ramalho
Fotografia e Camera: Lula Carvalho
Produção: Alain Fresnot e Denis Feijão
Distribuidora: Paramount Pictures Brasil
Duração: 120 minutos
País: Brasil
Ano: 2010
COTAÇÃO: MUITO BOM

O filme venceu nas categorias de Melhor Filme Documentário e Melhor Juri Popular no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2013.




A opinião

Não sei quem lembra, mas o Festival do Rio de 2009, antes da sessão do filme “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino, no Odeon Br, dia sete de outubro, exibiu cinco minutos com cenas inéditas do que seria o novo “suposto” projeto de Walter Carvalho, antes diretor de fotografia, e de tempos pra cá, assumindo a responsabilidade na função de diretor /cineasta. Esta informação não foi descartada, sendo lembrada pela diretora do referido Festival, Ilda Santiago, na sessão de gala do encerramento do evento, em 2011, quando apresentou a primeira exibição pública de “Raul, o Filme – O Início, O Fim e O Começo”. Contradizendo a resposta de Walter, que numa entrevista ao Vertentes do Cinema, disse que “a responsabilidade não é grande, e sim da vida”, nós, espectadores, sabemos que só a ideia de tentar traduzir o mito Raul Seixas, já é muita coisa. Mas o diretor aceitou o desafio. E conhecendo a impaciência, competência e sistemática de Walter, associada com a idealização apaixonada de Denis Feijão, talvez possamos compreender a obra existencialista, catártica, epifânica, musical, transgressora, liberal, autoral, polêmica, inusitada, excêntrica, depressiva e esperançosa, que o documentário em questão representa. Resgatar Raul Seixas é trazer à tona toda uma época, com suas limitações comportamentais e com suas inovações que permanecem até o presente momento. Conhecer o artista que queria ser ator é embarcar em uma inequívoca sensação de temporalidade. Não, está errado. Pelo contrário, as músicas e atitudes do “mito”, que na verdade não buscava nada, só expor, de forma poética, realista, o que pensava sobre o mundo e ou o local que o rodeava. “Raul era inteligente demais pra ser pego pela censura (ditadura)”, disse Pedro Bial, um dos entrevistados do longa-metragem. Walter imprimiu uma narrativa clássica, de gênero documental, rebuscando no contexto informativo, e passeando pela polêmica e naturalidade, como na cena na qual Kika Seixas, uma das ex companheiras, diz “Eu já fiz vários abortos, este seria mais um, mas Raul queria ter um filho”. Isto pode chocar a sociedade de hoje, hipócrita e politicamente correta, mas naquele tempo, a simplicidade costurava os caminhos, fornecendo à vida, uma leveza de ser e agir.


Pode gerar o questionamento a quem assiste de que a pseudoglobalização cresceu no campo social, porém atrasou o social, principalmente o comportamental. A “trama” inicia-se referenciando a famosa cena da motocicleta na estrada do filme “Sem Destino”, dirigido por Dennis Hopper, com o próprio e Peter Fonda, dois seguidores da contracultura hippie no final dos anos 60 saem de Los Angeles e atravessam o país até Nova Orleans. Na viagem, encaram o espírito da liberdade, mas também muito preconceito. Melhor exemplo impossível. Raul Seixas era a figura da contracultura, criticando a igreja, os meios midiáticos e a ele mesmo, com sarcasmo ingênuo, humildade debochada e criatividade nas composições. O Brasil precisava de alguém que o tratasse de igual para igual, mas que precisasse ser perspicaz o bastante a fim de transpor a barreira da censura. “Deixa gravar tudo”, diz Raul comendo peixe frito e lendo fragmentos textuais. Há tudo. Trechos de shows, de áudio, programas de televisão, depoimentos de personalidades – e da família. E muito mais. Há a sociedade alternativa, Paulo Coelho, as filhas, as mulheres, as drogas. Raul era apaixonado por cinema e “espero acabar em Hollywood fazendo filmes”, diz e complementa o seu maior medo “Tô com medo de morrer da porra”. Não é fácil tentar defini-lo. É meio beatnik, meio hippie, meio Elvis Presley, meio Luiz Gonzaga, meio bolero. Pode ser viagem minha, mas Walter deve ter visto “Quero ser John Malkovich”, de Spike Jonze, porque busca a essência que precede a essência. Quer de toda forma passear no lado mais intrínseco do astro em questão aqui. É um filme inquieto. Raul fez parte do Fã Clube de Elvis, era “biriteiro” e queria ser “um James Dean do rock”. Revolucionário, rebelde, fumava por protesto, fazia “a vida diferente da dos pais”, assim como qualquer jovem daquela época. Quem viu o filme “Juventude Transviada”, sabe exatamente compor o imaginário de anseios, desejos e influências projetadas, que dava “poder fictício para garotos de quatorze anos”.


Nesses jovens, a ingenuidade estava conservada. Só a atitude de levantar a gola da camisa já era ameaça e mostrava a insatisfação por não conseguirem demonstrar o que realmente eram. A repressão era castigadas por crenças, que geravam reações explícitas, por menor que fossem. Começou com “Raulzito e as Panteras”. “Sociedade Alternativa” é o disco de virada, misturando ritmos e gêneros. Raul, careta, conhece Paulo Coelho, o louco. “Eu apresentei ao Raul todas as drogas”, diz o autor de “O Alquimista”. “A história é o que as pessoas acham que é história”, diz-se. A música do protagonista incomodou sendo direta, sem ser superficial, de acidez poética, confrontando o sentimental. “Ouro de Tolo é um exemplo, um pré-rap que canta subversão, muito mais que Chico Buarque”, diz Bial. “A verdade absoluta não existe. Devemos abrir portas para as individuais acontecerem”, vomita Raul e complementa a regurgitação “Faze o que tu queres, há de ser tudo da lei”, coincidentemente aludindo um dos princípios básicos da nova Constituição Federal do Brasil. “O Homem só devia comer e sonhar”, diz-se. Nova Iorque, Gita, mulheres fêmeas e entregues, maluco beleza – vestido de lampião, com arma na cintura, plut plat zum, tem tudo. Walter não deixou passar nada. “Até respirando, Raul já estava provocando”, sentencia-se. Parecido com a figura de John Lennon, Raul foi perguntado como definia a sua música, eis que o mito responde “raulseixismo” e solta sem medo da represália “O Rio é uma grande mentira”. Há ainda o ostracismo, a volta por cima, a morte e as homenagens. Concluindo, tentei não contar muito para que não subtraia o elemento surpresa do espectador. É um filme incrível, que merece ser visto, porque traduz, sim, e não só tenta, a atmosfera de adoração a Raul Seixas. Walter toma a figura do personagem abordado, desmistifica, o humaniza, explica o porquê de tanto alvoroço em torno do nome Raul. O documentário consegue atingir aos fãs e não tão fãs assim, principalmente pelo cuidado técnico de resgate deste ícone da musica brasileira, que a mídia fez questão de apagar na época. Obrigado Walter tanto pelo longa-metragem e pela excelente exibição, que me fez mudar de ideia e aclamar muito mais o seu filme! Recomendo. Toca Raul! Toca Waltinho!

Trailer e Entrevistas



O Diretor

Walter Carvalho e Silva (João Pessoa, 1947) é um fotógrafo e cineasta brasileiro. Herdeiro do Cinema Novo, começou no cinema ajudando o irmão — o também cineasta Vladimir Carvalho — como fotógrafo (e sendo muito influenciado por ele). Aos poucos, foi assumindo outros projetos de fotografia em cinema até se tornar, ele próprio, também diretor de cinema. Sua apurada fotografia cinematográfica tem a marca inconfundível do cinema brasileiro da segunda metade do século 20, assim como testemunha as transformações sociais, políticas e culturais pelas quais o Brasil tem passado nas últimas décadas. Seu filho, Lula Carvalho, também enveredou na carreira cinematográfica e está se tornando um dos mais importantes diretores de fotografia do cinema brasileiro contemporâneo, junto com o pai. Premiado diretor de fotografia, trabalhou com grandes nomes do cinema nacional, como Glauber Rocha (Jorge Amado no cinema) e Nelson Pereira dos Santos (Cinema de lágrimas). Estabeleceu uma parceria mais constante com o cineasta Walter Salles, com quem trabalhou em vários filmes. Começou no cinema trabalhando em filmes de seu irmão, o documentarista Vladimir Carvalho, e como assistente dos diretores de fotografia José Medeiros, Dib Lutfi e Fernando Duarte. Fez também novelas e minisséries para TV. Entre os mais de 40 prêmios que já recebeu, destacam-se os troféus em festivais internacionais voltados para fotografia, como o CameraImage, na Polônia, em que recebeu o Golden Frog por Central do Brasil, e o Festival da Macedônia, onde recebeu a Câmera de Prata por Terra estrangeira e duas Câmeras de Ouro, por Central do Brasil e Lavoura arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho. Por este filme recebeu ainda os troféus de melhor fotografia nos festivais de Cartagena e Havana, o prêmio da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC) e o Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro. Na televisão, dirigiu alguns episódios da série Carandiru – outras histórias (2005), para a Rede Globo.

Diretor

2010 - Raul – O início, o fim e o meio
2009 - Budapeste
2005 - Moacir arte bruta
2004 - Cazuza – O tempo não pára
2003 - Lunário perpétuo
2002 - Janela da alma, codirigido com João Jardim

Diretor de fotografia

2011 - Febre do rato, de Claudio Assis. Prêmio de melhor fotografia no Festival de Paulínia 2011.
2009 - Sonhos Roubados, de Sandra Werneck
2009 - 23 anos em sete segundos: o fim do jejum do Corinthians, de Di Moretti
2008 - A Erva do rato, de Julio Bressane
2007 - Chega de saudade, de Laiz Bodanzky
2007 - Cleópatra, de Julio Bressane. Prêmio de melhor fotografia no Festival de Cinema de Brasília.
2006 - O céu de Suely, de Karim Aïnouz
2006 - O baixio das bestas, de Cláudio Assis
2005 - Eu me lembro, de Edgar Navarro
2005 - Crime delicado, de Beto Brant. Prêmio de melhor fotografia no 10º Festival de Miami.
2005 - Veneno da madrugada, Ruy Guerra. Prêmio de melhor fotografia no Festival de Brasília.
2005 - A máquina, de João Falcão
2004 - Entreatos, de João Moreira Salles
2004 - Cazuza – O tempo não pára, de Sandra Werneck e Walter Carvalho
2003 - Carandiru, de Hector Babenco
2003 - Filme de amor, de Júlio Bressane
2002 - Madame Satã, de Karim Aïnouz
2002 - Amarelo manga, de Cláudio Assis
2001 - Lavoura arcaica, de Luiz Fernando Carvalho. Prêmio de melhor fotografia nos festivais de Cartagena e Havana. Prêmio da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC) e o Grande Prêmio Brasil do Cinema Brasileiro.
2001 - Amores possíveis, de Sandra Werneck
2001 - Abril despedaçado, de Walter Salles
2000 - O primeiro dia, de Walter Salles
1999 - Villa-Lobos, uma vida de paixão, de Zelito Viana
1999 - Notícias de uma guerra particular, de João Moreira Salles e Kátia Lund
1998 - Central do Brasil, de Walter Salles
1997 - Pequeno dicionário amoroso, de Sandra Werneck
1995 - Cinema de lágrimas, de Nelson Pereira dos Santos
1995 - Terra estrangeira, de Walter Salles
1995 - Socorro Nobre, de Walter Salles
1987 - Krajcberg, o poeta dos vestígios, de Walter Salles
1979 - Jorge Amado no cinema, de Glauber Rocha


Bastidores