O diretor brasileiro Helvécio Ratton, dos longas-metragens ficcionais “Batismo de Sangue”, inspirado no livro homônimo de Frei Beto, sobre a ditadura militar nos anos 60; “Amor & Cia”; “Pequenas Histórias”, que apresenta na varanda de uma fazenda, uma bordadeira conta histórias de humor e magia, com Marieta Severo, Patrícia Pillar, Paulo José, Gero Camilo e Maurício Tizumba; e “O Menino Maluquinho”, baseado no livro de 1980 do cartunista Ziraldo mostra histórias e invenções de uma criança alegre e sapeca, chamada de "maluquinha" (que poderia ser qualquer um). Traçando o seu perfil cinematográfico, perceberemos que é um cineasta que gosta de contar “causos”, parodiando o seu mais recente trabalho “O Mineiro e o Queijo”, e filme em questão, que se envereda pelo caminho do documentário (rodado em HD), com narrativa clássica do gênero documental. Ratton usa a ingenuidade e o amadorismo (tanto que filma em alta definição – criando uma cumplicidade maior com o espectador) a fim de abordar a produção de queijos dos lugarejos na serra do Serro, da Canastra e do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, que continuam produzindo como séculos atrás. O início encanta a quem assiste por causa do sotaque interiorano e natural de vivência com o material bruto da natureza, tratando (e respeitando) as vacas como parte da família e da sobrevivência.
“É como um filho”, diz-se para logo depois instaurar o título de “Queijo: patrimônio proibido”. A narrativa busca criticar as leis que prejudicam a distribuição do queijo (meã cura: feito do leite cru). Com narração técnica e institucional, explica a história do derivado do leite e direciona, lentamente - e com a crua poesia do cotidiano dos produtores provincianos, o espectador à veia política. Assim enumera problemas e possíveis soluções por depoimentos, mais da parte “vítima” do que pela parte jurisdicional. Desse modo, tende ao discurso unilateral, mostrando os prejuízos. Mas, esta via de mão única não é totalmente julgadora, porque se apresenta de forma “mineira”, “pelas beiradas”, de novo referenciando a opinião popular sobre os mineiros. Os lugares são retratados por detalhes, tentando personificar em imagens as “tradições das famílias”, adjetivando com simplicidade, pureza, resignação. Eles precisam desenvolver a capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas. “Alguma bactéria aqui da região que dá esse sabor (ao queijo)”, diz um produtor do queijo Canastra. “Clima, região, a própria latitude, a água, tudo influi”, diz outro. É muito amador, propositalmente utilizado pelo diretor. Em uma cena, enquanto um produtor fala, toda a família concentra-se junto. Todos arrumados. O queijo artesanal (que “impede que as pessoas fiquem deprimidas” e que é “feito com segurança”) do Serro tornou-se Patrimônio Cultural de Minas Gerais, em 2002 (regulamentado pela lei 14185) e do Brasil, em 2008. “A gente sente quando a vaca não tá bem”, diz-se. O documentário mostra os procedimentos de limpeza, de retirada do leite e de confecção (incluindo a utilização do pingo – que dá um sabor, não deixando “borrachudo”).
“Ele fez uma queijeira melhor que a casa dele”, diz-se e complementa-se “O queijo nasce com o sinal da cruz. Cada um tem um tempero, um sabor”. Descobrimos que o sal grosso acentua o sabor do queijo, que é maturado, “matando a bactéria ruim e ficando a boa”. Ratton fornece voz a eles. Reivindicam o resgate da identidade e que a venda seja liberada para fora do Estado. O Decreto Federal de 1952 instaura 60 dias à maturação. A lei estadual, 21 dias. “Queijo frescal (minas branco) é o soro do leite”, desanima-se, afirmando que o meã-cura se vende na clandestinidade, de forma ilegal. “Excesso de intervenção pública”, exaspera. “Quando vira indústria, aumenta o valor e acontece a padronização”, por ser marca grande e ter o aval da vigilância sanitária. Isso fez com que os pequenos produtores desistissem (saindo do queijo e indo ao leite – “muito mais fácil”). Os que ficaram, “fazem por amor”. Eles precisaram se adaptar às regras como a marca em alto relevo a fim de identificar o nome do queijo. Atenção, ainda há cenas após os créditos. Concluindo, um filme político, sutil sem muito aprofundamento nas questões abordadas, permanecendo na superfície, porém o que mostrou ilustra e desperta a atenção do espectador e o faz aprender sobre o processo de produção à mesa do consumidor. Com narrativa lenta, arrastada e repetitiva, quem assiste sai do cinema com a sensação de que poderia ser menor. Um bom filme. Recomendo.
O Diretor
Helvécio Ratton (Divinópolis, 14 de maio de 1949) é um cineasta brasileiro.
Filmografia
A Dança dos Bonecos
O Menino Maluquinho
Amor & Cia
Uma Onda no Ar
Batismo de Sangue, seu último filme inspirado no livro homônimo de Frei Beto, sobre a ditadura militar nos anos 60.
Pequenas Histórias - Na varanda de uma fazenda, uma bordadeira conta histórias de humor e magia, com Marieta Severo, Patrícia Pillar, Paulo José, Gero Camilo e Maurício Tizumba.
[editar]O Cinema Além das Montanhas
Biografia de Helvécio Ratton, escrito por Pablo Villaça, ganhou lançamento em evento especial durante a 29ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.