Crítica: Os Monstros

Ficha Técnica

Direção: Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diogenes, Ricardo Pretti
Roteiro: Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diogenes, Ricardo Pretti
Elenco: Luiz Pretti, Natasha Faria, Pedro Diogenes, Guto Parente, Ythallo Rodrigues, Victor Furtado, Igor Graziano, Aline Silva, Ana Luiza Rios, Ricardo Pretti
Fotografia: Ivo Lopes Araújo, Victor De Melo
Produção: Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diogenes, Ricardo Pretti
Distribuidora: Vitrine Filmes
Estúdio: Alumbramento
Duração: 81 minutos
País: Brasil
Ano: 2010
COTAÇÃO: EXCELENTE



Preâmbulo Explicativo

De uns tempos para cá, o cinema brasileiro imprime a característica de experimentação, funcionando como a mais recente fase da retomada. Chamada de “Novíssimo Cinema Nacional”, busca fugir dos gatilhos comuns pertencentes ao gênero comercial, transformando-se em independente, sendo, na maioria das vezes, realizado por uma única pessoa, que avoca inúmeras funções (direção, roteiro, fotografia, edição, produção, entre algumas).



A opinião

“Os Monstros” é realizado pelo coletivo envolvido (Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti) da produtora cearense Alumbramento Filmes (de “Estrada para Ythaca”), nome este dado a fim de indicar iluminação, deslumbramento e ou inspiração sobrenatural. Sobre o filme em questão, os próprios produtores fornecem a sinopse “Nenhum homem é um fracasso quando tem amigos”. A frase serve ao questionamento, ao pensamento existencial e à desconstrução da sociedade atual, que manipula o entretenimento, o padronizando. Assim, a figura do homem médio é reiterada dia após dia, não sobrando lugar à experimentação estética do mundo cultural, como o cinema e a música.


Estes elementos estão presentes no tema abordado. Cada um sobrevive a sua maneira. Trabalhando em empregos para que possam injetar verba em seus sonhos: a música. É um longa-metragem extremamente experimental, de construção, de instrumento a instrumento, do individual ao coletivo. Sozinhos, eles são ruídos. Juntos, a música. Logo no inicio, o espectador é direcionado a observar e contemplar, em plano longo, sem cortes, no meio da noite, em um lugar esmo, o solo de um instrumento musical. A primeira impressão não e boa. O artista não tem talento, pensa-se. Aos poucos, a sensibilidade consegue o lugar na calma e paciência de quem assiste. Não vou negar, não é um filme fácil de ser ingerido.


Mas é incrivelmente rico, poético, simples e necessário. Em outro momento, uma mulher senta e pensa. Os primeiros elementos narrativos não explicam os porquês. A câmera interage, seguindo o personagem, sem rumo, com sua mala, de frente, informando o registro da exposição. Ele liga para alguém conversando sobre um show. O roteiro constrói cena a cena, instante a instante, como notas musicais. Ele é músico e apresenta seu show no Bar do Antônio. Ninguém o ouve. Encontra o descaso. Todos saem. A música dele não encaminha ao grande público. É despedido, para logo depois a trama mostrar a substituição por música típica de barzinho, como exemplo, Djavan. A crítica é acida, porém sutil. Intercalando, há outra história.
Duas pessoas participam do processo de um filme (metalinguagem pura). “Cansado de tudo”, diz-se entre trechos da música “Cry me a river”, de Ella Fitzgerald. A espera, usufruindo do único recurso que resta, desencadeia sonhos, fantasmas e a dor personificada (pela catarse e ou fuga do álcool). “Vocês estão no manicômio. Sair para um mundo cínico, sarcástico que vai engolir vocês. Mas que é genial”, desabafa-se. Os ruídos interagem à trama, indicando elementos e detalhes referenciais. A pós- bebedeira gera um momento amador, natural. O personagem toma banho, sai com a toalha na cintura, protegendo as partes baixas, ouve música. A câmera aproxima ao máximo, de forma amadora, do rosto do “protagonista”, tentando detectar reações ao que ouve, indicando que o tempo dele é outro.


A crítica ao ser humano, ao “próximo” insensível e egoísta, foca na prepotência alheia a fim de contrastar o mundo atual. “Não espero nada de ninguém”, diz-se. “Sou um amador apaixonado. A comodidade tá vencendo o risco. Vamos criar? Vamos ser livres para criar? Ser apaixonado já é muito”, discursa o limite suportado. Eles, livres, sem emprego, vão à praia e depois a uma festa. Bebem, namoram e dançam ao som de Marina Lima. Há uma atemporalidade atual. Eles tentam a todo custo vencer os medos, os anseios, os monstros (que tanto podem vir deles próprios, quanto dos problemas mundanos que querem os destruir). Os músicos desejam um lugar ao sol, compartilhar uma parcela do sucesso que até então só é destinado ao público médio, que alimenta o seu gosto por ter sido massificado.


“Tostines vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais?”, campanha publicitária de alguns anos atrás que exemplifica o que quero dizer. A cena final é uma das mais interessantes, arrepiantes e viscerais que já vi. Os músicos juntam-se, com seus instrumentos, e entregam-se, completamente ao o que acreditam ser música. O espectador não ouve música, e sim o interior musicado. É fantástico. Concluindo, um filme extraordinário, que aprofunda e questiona pela experimentação estética da construção narrativa. Imperdível. Participou de diversos festivais e mostras, como o 22º FidMarseille (França), 14ª Mostra de Cinema de Tiradentes (Minas Gerais), 10ª Mostra do Filme Livre (Rio de Janeiro), Cine Esquema Novo 2011 (Porto Alegre), 6º Festival Latino-Americano de São Paulo e Festival Internacional Lume de Cinema (Maranhão).




Com a Palavra, Um dos Diretores, Guto Parente

“A cidade está cheia de grupos artísticos, coletivos e talentos individuais. Tem muita coisa legal sendo produzida por aqui. Seja no cinema, nas artes visuais, teatro, música ou poesia. A dificuldade maior é fazer essa produção reverberar na cidade, despertar interesse nas pessoas. Os Monstros é um filme muito pessoal e íntimo, mas que toca nessa questão a partir da perspectiva de artistas que não encontram seu lugar. E para eles só é possível procurar/criar esse lugar agarrando-se uns aos outros”

Os Diretores (Alumbramento)

No filme de Victor Erice, intitulado “alumbramento”, podemos de início concluir que o bebê recém nascido ilumina a vida das pessoas que moram na fazenda em que se passa o filme. Num segundo momento podemos concluir que alumbramento num dos significados do dicionário ( alumiar(-se)) poderia querer dizer “dar luz” no sentido de parir. Logo, fechamos raciocínio de que ter um filho (parir) é dar luz ao mundo, ou seja, tanto o bebê quanto a mãe, dão luz.

A partir dessa elucidação sobre o filme do Erice, que é o filme que deu nome à nossa produtora, percebo como, de fato, esse filme tem a ver com a nossa proposta, pois para quê nos juntamos, se não para dar luz? Uma luz que nasce de uma força coletiva com a intenção de iluminar todo o caminho que vem pela frente.

Se ficam perguntas como: Quem é a luz? Ou, quem é iluminado por essa luz? Podemos tentar responder simplesmente dizendo que somos, ao mesmo tempo, quem ilumina e quem é iluminado. Sendo essa força dupla, a força da coletividade. Em paralelo com a cena final do filme diríamos que somos ao mesmo tempo a mãe, o bebê que está em seus braços e todas as pessoas que estão reunidas em torno dos dois. Uma imagem familiar extremamente significativa que remete à criação da nossa produtora-família.

Ser uma família é acreditar que estaremos para sempre, de alguma forma, ligados um ao outro. É portanto, acreditando na constituição dessa família, que nesse caso é uma família por escolha, que entenderemos toda a base do que chamamos de “alumbramento”: esforço.