Borboletas Negras

Ficha Técnica

Direção: Paula van der Oest
Roteiro: Greg Latter
Elenco: Carice van Houten, Rutger Hauer, Liam Cunningham, Grant Swanby, Nicholas Pauling, Graham Clarke, Leon Clingman, Jennifer Steyn, Candice D'Arcy, Florence Masebe
Fotografia: Giulio Biccari
Música: Philip Miller
Direção de arte: Darryl Hammer
Figurino: Rae Donnelly
Edição: Sander Vos
Produção: Michael Auret, Richard Claus, Frans van Gestel, Arry Voorsmit
Distribuidora: Imovision
Estúdio: Spier Films
Duração: 100 minutos
País: Holanda / Alemanha / África do Sul
Ano: 2011
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM



A opinião

Há filmes que deveriam fornecer um kit ao espectador contendo máscara de mergulho, snorkel, pé de pato, lanterna recarregável, colete e respirador subaquático. Ou protegê-lo no interior de um submarino com tela de qualidade. Isso permitiria a quem assiste um cuidado a mais. O longa-metragem “Borboletas Negras” segue a risca o que descrevi anteriormente. A narrativa de construção, existencial e realista, mesclando (e brigando) pessimismo e esperança (elemento de continuação), parte da superficialidade ao aprofundamento radical dos personagens, mergulhando o privilegiado espectador em águas turbulentas de um mar revolto e extremamente passional, análogo à história da escritora sul-africana retratada e abordada. É um filme submarino do início ao fim, tendendo ao final feliz, que é uma forma de suavização de tudo que foi apresentado. Conta a vida da poetisa Ingrid Jonker, que nasceu em 19 de setembro de 1933, falecendo em 19 de Julho de 1965.

Ela corroborou características natas e definitivas dos poetas. Regou a sua vida com amores, traições, palavras, sofrimentos. Viveu de forma passional, visceral, quase mimada, este último um contraste de circulo vicioso, porque expressava confiança em uma alma extremamente frágil. A diretora holandesa Paula van der Oest (de “Coma”) imprime introspecção, percebido logo nas primeiras cenas. A narração inicial, sem utilizar música de acompanhamento, direciona-se ao realismo sem esperança. O gatilho empregado, que não é comum, nem óbvio, nem apelativo, usa o sol como elemento de transição sensorial aos personagens. Assim, personifica em tela o sofrimento e ou alegria que pulula o interior da protagonista. A fotografia é o fio condutor. Ora nostálgica, indicando uma falsa felicidade, clareia sem iluminar. Ora a luz cega pelo excesso. Ora a gradação da escuridão torna-se presente.


A tempestade intensifica. A praia, às vezes ociosa, outras desesperada, também é um contundente indicador. “Salva por um escritor”, ela diz com seu refinado sarcasmo. O longa-metragem exigia que a atriz fosse talentosa, visto que é o elemento narrativo mais importante. Foi escalado a holandesa Carice van Houten (que interpretou Melisandre em “Game of Thrones”). É um monologo com ganchos. Ela entendeu o papel e embarcou sem ressalvas na personagem, que é cruel, direta, realista, evasiva, egoísta, individualista, decidida, liberta, libertina, tanto nos sentimentos próprios, quanto nos alheios. Casou-se para que pudesse sair da casa dos pais. Mas não consegue se desvencilhar da chantagem emocional do patriarca, que a domina, gerando revolta, defesas, exageros, impulsos, e mitigando o liminar entre a vida e a morte. A sua existência busca o jazz das festas, o álcool e os intelectuais. “A poetisa que a corrente levou”, devido ao incidente da praia.

O seu período de vivência na África do Sul inclui Apartheid, o movimento Ku Klux Klan - uma organização racista secreta que nasceu no final do século 19 nos Estados Unidos. Então Ingrid precisava manipular as regras autoritárias do sistema. Ela usava o sexo como libertação (pessoal), revolução (chocar) e provocação (irritar). A cena da nudez, do sexo e pós-sexo, é poética, não apelando à sexualidade. Aproveita-se o momento. O roteiro respeita a inteligência do espectador ao inserir perspicácia, picardias apaixonadas (que se comportam como adolescentes por causa do recente namoro), sagacidade e existencialismo depressivo. “O amor não é idéia”, diz-se. A narrativa parte da superficialidade ao aprofundamento, aos poucos. Porém, quando vem, impede o espectador de emergir. A naturalidade dos diálogos contrasta com a atmosfera encenada de folhetim. O tom novelesco entra em conflito com a carga emocional projetada, sem clichês e sem obviedades.


Há relações interpessoais nítidas e expressivas. Patrão versus empregado. Branco versus negro. “Negros não entendem alegorias (as poesias). Eles são inferiores intelectualmente”, diz o pai ditador para logo rezar antes da refeição. A escritora não consegue se prender a ninguém. Vive como adolescente. “Vê se cresce”, diz-se. “Tentando explicar o Teatro do Absurdo”, exaspera-se devido às crises surtadas de Ingrid. “Eu me preparo para a quietude”, ela diz. O roteiro quer aprofundar seguindo o campo do livro (do gênero literário romântico). É como se o espectador lesse o filme apresentado. Mescla simplicidade com elegância. “Casamento e sexo não combinam”, diz-se. É natural quando a poetiza dança rock. É sexy sem ser vulgar. “Você contamina tudo a seu redor”, confessa-se a protagonista, por causa do seu jeito de viver inconstante. Ela então foge à loucura, que é a sua catarse mental.

Sem música e sol perfeito, é digno e pede a suavização do estado feliz. “Ela escreve igual a Lorca”, diz-se. O pai insensível e radical, que não deseja demonstrar os sentimentos faz com que o sol machuque. “Você me esgota”, esbraveja-se. “Onde eu fico desta vez? Na casa de quem?”, diálogo que participa de uma das cenas do final arrepia. No final, a influência de alguém importante em nossas vidas é tão intensa que um simples ato extermina qualquer grau do sentir. Após presenciar um ato de violência contra crianças sul-africanas, a poetiza Ingrid Jonker escreveu o poema “The Dead Child of Nyanga”, que mais tarde foi lido por Nelson Mandela em seu discurso de inauguração do primeiro parlamento democrata da África do Sul em 1994. Este termina o filme, apelando um pouquinho a sensibilidade paterna, que não convence, corre demais, mas é um mero elemento descartado que não prejudica em nada o contexto apresentado. Concluindo, um filme que merece ser visto. Recomendo.






A Diretora

Paula van der Oest, nascida em 1965, Laag-Soeren , Gelderland, é holandesa.