Crítica: Melancolia

Ficha Técnica

Direção: Lars von Trier
Roteiro: Lars von Trier
Elenco: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Alexander Skarsgård, Brady Corbet, Stellan Skarsgård
Fotografia: Manuel Alberto Claro
Direção de arte: Simone Grau
Figurino: Manon Rasmussen
Edição: Molly Marlene Stensgaard e Morten Hojbjerg
Produção: Meta Louise Foldager, Louise Vesth
Distribuidora: Califórnia Filmes
Estúdio: Zentropa Entertainments
Duração: 136 minutos
País: Alemanha/ Dinamarca/ França/ Itália/ Suécia
Ano: 2011
COTAÇÃO: EXCELENTE



A opinião
Por Fabricio Duque

Assim como o seu diretor Lars von Trier, o filme “Melancolia” já nasce envolto em polêmicas. Uma delas devido a um comentário “nazista” na apresentação do Festival de Cannes deste ano, que baniu o realiador das badaladas exibições no território francês. Muitos comentaristas estão levando isso a expor suas críticas. O que não é relativo à história. Mesmo não tolerando e ou suportando Lars (já que muitas atrizes disseram que nunca mais trabalharão com ele, como Nicole Kidman, de “Dogville” e outras que disseram que nunca mais serão atrizes novamente, como Bjork, em “Dançando no Escuro”), o seu talento é inquestionável. Ele foi um dos responsáveis pelo movimento dinamarquês Dogma 95, que segue regras pela naturalidade do cinema. O diretor possui visão de futuro e de espaço, e fugindo do comum e do óbvio, imprime em suas obras a genialidade da experimentação. Lars usa e abusa de metáforas, as personificando. A transposição ao concreto cria a experiência sensorial e sinestésica, complementada pela excentricidade nata e intrínseca de quem não suaviza um tema importante e politicamente incorreto aos olhos da sociedade. Esta representa um papel extremamente valioso em suas histórias, fornecendo o material bruto da causa e da hipocrisia desconstruída – sem paradigmas, éticas e porquês. O diretor direciona o espectador à percepção destas falhas e rachaduras sociais. Mas a causa do comportamento é apresentada como natural. A maioria dos indivíduos já nasce com o mal. São cruéis e defensivos por natureza. Em seu novo longa-metragem, há exceções a regra. A protagonista não consegue vivenciar o mundo atual sem o sofrimento, que a aliena, apaticamente, e a envolve em um universo próprio, só dela. “A vida na terra é má”, externaliza o pessimismo.

A fim de captar a essência contextual, há a necessidade de observância das referências que pululam na tela. O inicio apresenta o prólogo explicativo e epifânico (lembrando “Anticristo”, seu filme anterior). Com trilha sonora de “Tristão e Isolda”, de Wagner, as imagens traduzem o abstrato do que se sente na alma. Melancolia não é depressão. É um sentimento que parece em muito, mas há diferenças. A camera apresenta-se com lentidão editada, como se alguém tivesse dificuldades de andar por estar presa. A textura da imagem apresenta uma pintura expressionista (quase animação – com fotografia saturada ao brilho excessivo). O realismo fantástico cria a magnitude da ação. Pode-se inferir homenagem a Stanley Kubrick e “2001, uma odisséia no espaço”. A metafísica deixa a imagem acontecer, aprisionando a quem assiste. A próxima parte: Justine. Mostra a tomada área de uma limusine – que passa por ruas desertas e curtas, depois com camera próxima, lembrando o estilo Dogma 95 revisitado. Vemos nubentes. Justine (Kirsten Dunst, de “Maria Antonieta”) e Michael (Alexander Skarsgård, de “True Blood”, que vive o vampiro Eric). Aparentemente felizes indo à festa de casamento. Atrasados. Infere a “Festa de Família”, de Thomas Vintenberg ao expor segredos familiares. O jantar pós casamento gera discursos agressivos e desabafados. “Aproveitem enquanto dure”, diz-se. A camera participa como observadora, meio amadora, meio documental. A escolha pelo estilo Dogma é perceptível. O que o difere é a utilização de trilha sonora e diálogos um tanto pretensiosos querendo ser chocantes. Isso o faz clichê. Noivos dançam “La bamba”. Busca o artificialismo do teatro, querendo o convencimento pleno. A hipócrita é mostrada de forma óbvia. As ações e reações são exageradas e passionais dentro de convenções sociais comuns.

As relações humanas são perdidas. Cada vez, indivíduos prendem-se em seus mundos, vivenciando plenamente e sem flexibilidade o individualismo. “Ainda pode andar cambaleando. Pare de sonhar”, diz-se sem esperança. Aos poucos, o embate entre simplicidade e liberdade se mostra. A protagonista tenta ser parte da sociedade. Mas não consegue, porque não faz parte deste universo fútil e desgastante. Isso a angustia e a aprisiona na doença. A parte dois é Claire. A irmã. Neste ponto, a metáfora fica mais evidente. O fim do mundo está próximo. Um planeta chamado Melancolia atravessará a Terra. “A tristeza do Melancolia (planeta) matará a todos”, disse. “Parece amigável, mas sem esperança”, complementa. Os seres humanos convivem com esse novo cometa, que aos poucos, atravessa nossas vidas e inclui a apatia. “Seja feliz se eu ouso”, obriga-se. O sol de Lars ilumina sem queimar. A proteção em algo, mesmo incompreensível, torna-se necessário à sobrevivência diária. A religião, o cinema, o amor pelo filho, tudo precisa ser a catarse de libertação. A magia existe sem entendimento. A própria humanidade se destruíra. A intolerância, poder, pretensão, submissão, incrivelmente, esses sentimentos tem dúbios significados e importâncias. É assim que a obra de Lars é espetacular. O espectador observa no final, totalmente envolto à melancolia, sem conseguir levantar da cadeira, de que todo artificialismo suavizou o que o diretor nos fez engolir goela abaixo. Concluindo, um filme fantástico, que cria a sinestesia da metafísica. Vale muito a pena assistir. Recomendo. Kirsten Dunst, que faz aniversário no mesmo dia dia de Lars (30 de abril) ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes 2011. As filmagens ocorreram entre 22 de julho e 6 de setembro de 2010. Seu orçamento foi de US$ 7,4 milhões.


Opinião da Convidada Especial Marise Carpenter --> AQUI


O Diretor

Lars von Trier, cineasta dinamarquês, nascido em Copenhague em 30 de abril de 1956. A partícula "von" foi adotada por Lars von Trier durante o período em que esteve na Danish Film School. O motivo para sua inclusão no apelido foi a alcunha que os seus amigos da época lhe deram. Ficou conhecido após fundar, junto com Thomas Vinterberg, o manifesto Dogma 95, no qual há 10 regras para a produção de filmes, como: não usar cenários, não usar banda sonora, usar apenas câmara de ombro etc. O seu único filme que segue essas regras é: “Os Idiotas". Trabalha num projeto pessoal em que roda 3 minutos de filme todos os dias em diferentes locais na Europa. A sua intenção é realizar este trabalho durante 33 anos e - como ele teve início em 1991 - a previsão é de que o filme seja lançado, apenas, em 2024. Numa conferência de imprensa do Festival de Cannes (edição 2011), o diretor revelou ser simpatizante de Hitler, autoproclamando-se nazista, em uma piada sem graça. Com esta declaração, o diretor foi expulso pelo conselho dirigente do festival.

Filmografia

2011 - Melancholia
2009 - Anticristo
2006 - O Grande Chefe
2005 - Manderlay
2003 - Dogville
2003 - As Cinco Obstruções
2000 - Dançando no Escuro
1998 - Os Idiotas
1996 - Ondas do Destino
1991 - Europa
1988 - Epidemic
1987 - Medea (Medéia) - TV