Crítica: Belair


Ficha Técnica

Diretor: Noa Bressane, Bruno Safadi
Roteiro: Bruno Safadi, Noa Bressane, Rodrigo Lima
Fotografia: Lula Carvalho, David Pacheco
Montagem: Rodrigo Lima
Edição de Som: Aurélio Dias
Produção: Bruno Safadi e Noa Bressane
Distribuidora: Pipa Produções
Estúdio: TB Produções
Duração: 80 minutos
País: Brasil
Ano: 2009
COTAÇÃO: EXCELENTE




A opinião

“Belair” inicia-se com um barco que navega pelo mar. A camera estática, e sem cortes, busca os raios de sol que em certos momentos cegam a imagem, adquirindo uma nostalgia que tenta captar variadas cores, que se formam, junto ao barulho da onda no casco. A cena hipnótica de abertura dura quase cinco minutos e é extremamente necessária e excelentemente construída a fim de introduzir o espectador no universo temático do filme. Os diretores Noa Bressane (filha de Júlio Bressane”) e Bruno Safadi (de “Meu Nome é Dindi”) trazem a tona a história da trajetória da produtora Belair, criada por Júlio Bressane, Rogério Sganzerla e Helena Ignez, entre fevereiro e maio de 1970, realizando sete filmes de longa metragem: “A Família do Barulho”, “Carnaval na Lama”, “Copacabana Mon Amour”, “Barão Olavo, o Horrível”, “Cuidado, Madame”, “Sem Essa, Aranha” e “A Miss e o Dinossauro”, sendo 3 de Rogério, 3 de Bressane, e 1 curta dos dois (com co-direção de Helena Ignez, a fera oxigenada). O objetivo é o resgate emocional de um período em que o cinema brasileiro vivia uma erupção a 24 quadros por segundo. Belair é uma historia desse cinema. Interditados pela censura da época, estes filmes de ficção são uma desconhecida e reveladora máscara-espelho daquele período sombrio. Uma escavação ótica traz estes fotogramas clandestinos a luz.

A montagem projeta o esforço experimental destes cineastas em tornar o invisível visível. Desde a abertura do documentário, o espectador é envolvido ao experimental. Um homem, projecionista, aparece do desfoque ao quase nítido, com um rolo de filme na mão. A camera focaliza detalhes de montagem e narrações dos três protagonistas complementam a trama. Ouvimos sobre o cinema experimental, manipulando um ruído de um filme a outra imagem, desconstruindo a própria ordem da edição e tornando-se transgressora. Há inúmeras imagens de arquivos. A primeira aparição é a do filme “O anjo nasceu”, de Bressane, em 1969, apresentado no Festival de Brasília do mesmo ano. “A mulher de todos”, do Rogério vem a seguida. Podemos apreciar e nos deliciarmos com os discursos políticos e utópicos, influenciados principalmente pelo “Manifesto Antropofágico”, de Oswald de Andrade. A camera é personagem e público, às vezes ao mesmo tempo. “Uma forma de esconder a verdade. Você faz pra tentar saber o que é. O que leva alguém a fazer alguma coisa é inexplicável”, diz-se. O significado da escolha do nome “Belair” vem do nome do carro e do Bairro. “Amizade é a matéria prima de qualquer cinema (de envergadura)”, diz-se. “Helena (Ignez) radicalizou. Não somente em “A Mulher de Todos””, complementa-se. É uma aula de época, de como o cinema se comportava. “Tudo podia servir como imagem”, outra frase que demonstra a riqueza deste longa-metragem. Os diretores optaram por utilizar as imagens desprezadas a fim de montar um filme único e deles.

“É através da feitura que se aprende”, diz-se, diz-se, diz-se. Definitivamente é o elemento mais incrível. “Nos anos 70, precisávamos ir a outros países para conservar a própria arte”, relembra-se mostrando a atriz Maria Gladys, ícone do cinema nacional. Helena Ignez diz sobre a construção de seus personagens: “Trabalho personagens de forma autoral, de mim mesma, às vezes desarranjo total do movimento”. Quanto a outras ideias, “Esse cinema fez revolução interna, poderosa”, diz-se em tom transgressor, melancólico, de saudade utópica e ingênua. É um filme metalinguístico ao extremo. Usa os elementos cinematográficos para explicar o cinema, visualmente e ou verbalmente. “Imagem anormal e patológica. Isso faz arte. Trabalhávamos com tudo contra, da forma mais obscura. Era o charme e a beleza da época. Planos sequências experimentais. Nova linguagem fluente de seguir os atores”, ensina-se. Um teatro epifânico. A ditadura terminou com a Belair. Eles foram a França, resgatando alguns, como “Cuidado Madame”, que nunca foi exibido comercialmente. “Aonde vamos parar? Eles vão entender as minhas loucuras”, finaliza-se. Concluindo, um filme necessário, inteligente, que conserva a transgressão estética da imagem, levando o espectador a embarcar no mundo datado de uma época confusa e criativa. Recomendo. Melhor Documentário do Cine Fest Goiânia. Com Orçamento estimado de R$ 600.000,00.



Os Diretores

Noa Bressane, 30 anos, é natural do Rio de Janeiro. Iniciou a carreira no cinema com Julio Bressane, seu pai, aos 11 anos. Na TV, é diretora da Rede Globo de Televisão, onde atua no departamento de teledramaturgia desde 1999. Atualmente desenvolve seu segundo filme, “O Garoto”, uma recriação da lenda de Billy the Kid.

Bruno Safadi, natural do Rio de Janeiro, o diretor carioc tem dois longas no currículo: Belair, lançado no Festival do Rio 2009 e no Festival de Rotterdam, Holanda e Meu nome é Dindi (2007), lançado comercialmente em 2008 e 2009 em 15 cidades brasileiras, com excelentes críticas. Dirigiu também quatro curtasmetragens, vídeo-clipes, peça teatral e show musical. Atualmente, prepara seu terceiro longa-metragem, a ficção “Éden”. Como sócio da TB Produções, produziu sete filmes de longa metragem e sete curtas metragens para cinema. Trabalhou como assistente de direção de diretores consagrados do cinema e da televisão como Nelson Pereira dos Santos, Julio Bressane, Ivan Cardoso, Roberto Talma e Mario Marcio Bandarra.