Direção: John Cameron Mitchell Roteiro: David Lindsay-Abaire Elenco: Nicole Kidman, Aaron Eckhart, Sandra Oh, Dianne Wiest, Jon Tenney, Giancarlo Esposito, Tammy Blanchard, Miles Teller, Mike Doyle, Patricia Kalember, Julie Lauren, Ursula Parker Fotografia: Frank G. DeMarco Música: Anton Sanko Direção de arte: Ola Maslik Figurino: Ann Roth Edição: Joe Klotz Produção: Nicole Kidman, Per Saari, Gigi Pritzker, Leslie Urdang, Dean Vanech Distribuidora: Paris Filmes Duração: 105 minutos País: Estados Unidos Ano: 2010 COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM
A opinião
A gravidez comporta-se como um estágio de transformações à mulher. É um período de formação de um novo ser, passando por alterações fisiológicas e psíquicas, durante a formação do feto. A gestante modifica hábitos e passa a proteger a vida da criança que está prestes a nascer. A figura do filho é a parte visceral e móvel deste ser “hospedeiro”. Ela alimenta-se por dois, sente os desconfortos do corpo e da alma. Crenças mundanas são inseridas no contexto. O filho (visão generalizada) recebe um universo massificado e definido, tornando-se extensão da própria mãe. A co-dependência é sentida por toda a vida. Há no pensamento geral a teoria – aceitável – de que quem gera deve morrer antes dos que são gerados. Quando o contrário acontece, desencadeia o choque social, acreditando ser um exemplo da “crueldade celestial”.
Isso faz com que a mãe sofra a perda adicionando culpas, amarguras, agressividades, letargias, alienações, depressões, tristezas e lembranças. O filme “Reencontrando a felicidade” parte deste princípio a fim de transpor à tela essas características sôfregas; e tem a direção de John Cameron Mitchell (dos aclamados “Shortbus” e “Hedwig”). O longa aborda a vida de um casal, Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart), com uma vida quase perfeita. Com bons empregos e uma casa espaçosa, tudo parecia ir muito bem até que uma tragédia abala a estrutura do relacionamento: a morte do filho recém-nascido do casal. A filosofia teórica tenta entender o pequeno ser que viveu tão pouco. Em “Natimorto”, filme nacional de Paulo Machline, define-se a expressão do título como a perfeição, porque fez da mulher, mãe, mas não se poluiu com a crueldade existente no mundo.
A narrativa apresentada é a da lembrança, atenuada pela leveza. As imagens das fotos fornecem o tom nostálgico e o mergulho do espectador ao sofrimento da protagonista. A fotografia é saturada ao contraste, com cores pastéis e amadeiradas, retratando ações cotidianas em quadros simétricos e bem realizados, ora incidental (mostrando o que se deseja realmente) pela iluminação projetada e alaranjada (da luz artificial). Os ângulos fogem do convencional e imprimem um ritmo equilibrado. Logo no início, percebemos que a paciência dela para com os outros está no limite. Espera-se a explosão. A música complementa a cena de Becca, que se chateia pela pisada em sua planta. Ela, reservada, com agressividade sarcástica, intolerante, direta, defensiva e diz o que pensa: “Sabe que eu não aguento essas coisas de Deus”, sempre impondo as vontades – sem nenhuma flexibilidade. Nicole contracena com Aaron. A cumplicidade deles permite embarcar na trama por permitir o convencimento natural.
Entregam-se. Ele foi a escolha pessoal da atriz. Mais do que acertado, porque funcionam mutuamente. Um dos elementos importantes é a figura do outro, que oferece a possibilidade da mudança (preceitos intrínsecos). Há as diferenças da irmã, do marido, da mãe. Becca luta para que possa continuar “usufruindo” de suas manias individualizadas. Aos poucos, as peças do quebra-cabeças vão sendo juntadas. A maneira dela de mostrar o amargo sofrimento é não demonstrar. “As coisas não são mais legais agora”, diz-se. O pai também sofre. Mas no caso dele, a expressão é intensa e passional. Chora ao olhar as fotos e os desenhos criados (estes funcionam como elementos de interconexão). Um dos momentos mais interessantes é a competição de sofrimentos. Becca quer ganhar da própria mãe no quesito “vítima”.
Os embates explícitos mostram as mensagens implícitas da história. O filme conduz o entendimento, respeitando a inteligência do espectador. Assim, não apela aos clichês melodramáticos que seriam pré-requisitos. O contato com a causa dos acontecimentos vem a tona, resolvendo e ou gerando a culpa de um lado e ou o perdão do outro. Ambos estão dividindo a atenção à felicidade pretendida. “Você tenta apagá-lo”, diz-se. Há simbolismos como universos paralelos, agindo como uma alternativa ao vício do pensamento autodestrutivo. O roteiro não permite que o espectador saia do sofrimento. Quer a imersão total. Incomoda de forma brilhante, entre alternativas lícitas e ilícitas. “Não desaparece, mas muda”, ensina-se em tom existencial e humanizado.
“É ciência básica. O universo é infinito, então tudo é possível”, finaliza-se entre dormir e acordar “em” ou “das” culpas. A vida segue. Concluindo, é um longa, que fornece a quem assiste a experiência sensorial e interativa de vivenciar o sofrimento apresentado. Os atores estão sóbrios, maduros e no tempo certo. Vale muito a pena assistir. Recomendo. Rodado em 28 dias e filmado inteiramente em Nova York, Estados Unidos, com orçamento estimado de US$ 10 milhões de dólares, gerou a Nicole Kidman indicações ao prêmio de Melhor Atriz no Oscar e no Globo de Ouro, entre outros. Ela produziu o filme, mas não tinha visto a peça original da Broadway, apesar de ter lido uma crítica positiva. Escalou seu produtor da Blossom Films para ver uma apresentação e ele, posteriormente, marcou um encontro com o autor da peça David Lindsay-Abaire.
O Diretor
John Cameron Mitchell (nascido em 21 de abril de 1963, El Paso, Texas) é americano. Escritor , ator e diretor, conhecido por dirigir os filmes independentes “Shortbus” e “Hedwig”. Filho de um Major-General reformado do Exército dos EUA, ele cresceu em bases militares nos EUA, Alemanha e Escócia. Sua mãe nasceu em Glasgow , na Escócia, emigrando aos Estados Unidos como uma jovem professora. Seu irmão Colin também é um ator , escritor e cineasta. O primeiro papel no palco de Mitchell foi a Virgem Maria em um Natividade musical encenado em um internato escocês e beneditino de meninos, quando tinha 11 anos de idade. É gay assumido. Publicou a sua opção no Perfil do Jornal New York Times em 1992.