Crítica: Rio

Ficha Técnica

Direção: Carlos Saldanha
Roteiro: Carlos Saldanha, Don Rhymer, Joshua Sternin, Jeffrey Ventimilia, Sam Harper
Vozes: Anne Hathaway, Jesse Eisenberg, Rodrigo Santoro, Jammie Fox, George Lopez, Jake T. Austin, Carlos Ponce, Kate del Castillo, Bernardo de Paula
Fotografia: Renato Falcão
Música: John Powell, Sérgio Mendes e Will i.am
Direção de arte: Joan Cabot, Peter Chan e Rachel Tiep-Daniels
Produção: Christopher Jenkins
Distribuidora: Fox Film
Estúdio: Blue Sky Studios, Twentieth Century Fox Animation
Duração: 105 minutos
País: Estados Unidos
Ano: 2011
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM



A opinião

“Rio”, a animação mais recente da Fox, ainda não estreou, mas já causa opiniões controversas. Alguns tendem acha-la caricata e destrutiva, outros perfeita demais, mas ambos a observam como um filme “fofo”. Não sou oito, nem oitenta. Para mim, é uma obra autobiográfica. Entender os simbolismos da megaprodução, que deve chegar a mil salas de exibição, é analisar a carreira de seu diretor Carlos Saldanha, brasileiro e carioca de Marechal Hermes (informação esmiuçada por Rodrigo Fonseca, do jornal “O Globo”), nasceu em 24 de janeiro de 1965. Realizando uma conta rápida, contabilizamos quarenta e dois anos. Aos 22, embrenhou-se numa aventura rumo aos Estados Unidos. Cursou Mestrado em Artes e se especializou em animação digital na School of Visual Arts, em Nova Iorque e ganhou a vaga na Blue Sky Studios, fundada em Fevereiro de 1987 por um número de artistas e técnicos em que tinham trabalhado previamente na Disney. Durante os anos 80s e 90s, o estúdio concentrou-se apenas em produções de comerciais de televisão e de efeitos visuais para alguns filmes.

A Blue Sky foi adquirida no ano de 1997 pela distribuidora 20th Century Fox, com o intuito de dedicar-se apenas no comércio de filmes de animação. Sadanha iniciou a sua trajetória de crescimento. Com competência e garra, aos poucos, adquiriu reconhecimento internacional por trabalhar na trilogia “A Era do Gelo”, sendo diretor dos dois últimos. É considerado uma das personalidades mais criativas e talentosas da empresa. Em seu projeto mais ambicioso, resolveu transpor às telas a sua visão sobre a sua cidade natal. “Rio” é a sua história. A arara-azul, o seu avatar. A ave está atualmente ameaçada de extinção, sendo as principais causas a caça, o comércio clandestino, no qual as aves são capturadas enquanto filhotes, ainda no ninho e a degradação em seu habitat natural por destruição atrópica. “Vivo nos Estados Unidos há muitos anos, mas sempre quis fazer um filme que capturasse toda a vibração do Rio”, disse o diretor.

A sua visão é hibrida. Alguém que aprendeu a viver em outra cultura, tentando não perder a identidade. Inevitável que morando vinte anos fora, a percepção seja de um estrangeiro criado no Brasil. Esse fator é o que de mais interessante há no filme. Para um brasileiro natural do Rio de Janeiro, os elementos apresentados podem soar caricatos, sim. Como a favela, o samba, o carnaval, o país do jeitinho, a entrega sentimental. Nós observamos sem olhar atentamente, já para quem está do outro lado, realiza o processo inverso, olha e também observa. Saldanha com o seu prestígio, escalou um elenco de sucesso, com vozes de Jesse Eisenberg (de “A Rede Social”), Anne Hathaway (“O Diabo veste Prada”), Rodrigo Santoro, Jammie Fox (de “Ray”), a cantora Bebel Gilberto, Sérgio Mendes (na versão brasileira), do próprio diretor (faz a voz do garçom), entre outros. O sucesso é tanto que a campanha publicitária inclui anúncios de carros e biscoitos. A animação tornou-se um produto comercial, mas sem depreciar o resultado final, que é interessante e divertido.

Blu (voz original de Jesse Eisenberg) é uma arara domesticada que nunca aprendeu a voar e tem uma vida tranquila e confortável ao lado de Linda (Anne Hathaway), sua dona e melhor amiga em Minnesota, Estados Unidos. Linda é surpreendida com a visita de Túlio (Rodrigo Santoro), que conta da necessidade de Blu ir ao Rio de Janeiro e se reproduzir com a única fêmea restante da espécie. Começa, então, a aventura pela Cidade Maravilhosa em pleno Carnaval. Como já disse, Blu é Saldanha, que saiu do Brasil para aprender a voar nos Estados Unidos. Os casos de brasileiros que fazem sucesso lá fora é raro e periga estar em extinção. A arara é sagaz, inteligente, perspicaz. Um Woody Alen (pela forma razinza de ser). Blue explicita seus medos e anseios, optando pelo conforto (até do clima frio) de outro país. A abertura do longa tem “todas as aves do mundo” sambando.

São animais humanizados, com características típicas e definidoras, exaltando o lado intrínseco sem o possível julgamento. São “animais exóticos”, termo que transpassa a percepção estrangeira. Uma garota Linda (Anne Hathaway) encontra a ave e a passagem de tempo mostra a amizade. Ambos são solitários e co-dependentes. O bichinho é o último macho da espécie. Precisa ser levado ao Brasil para se reproduzir. Ele chega de carro durante o carnaval (visão inicial de quase todo turista). “Mulheres brasileiras gostam de homem confiante”, diz-se. Blue é uma arara que não aprendeu a se proteger dos perigos. Há clichês, mas são “fofos”, como a música de Lionel Ritchie (“Say You, Say me”), que serve de tema romântico. “Não sou bicho de estimação. Sou companhia”, ele diz. “Voar é liberdade”, “Parece meio solitário”, diálogo complementar. Há micos ladrões, há traficantes ambientais, há selva na favela, há picanha, órfão pobre que trabalha para o crime, mas que busca o afeto familiar. A cena que Blue salta de asa-delta ficou famosa muito antes do filme ser apresentado.

Essa parte virou vinheta de abertura do Festival do Rio de 2010. A visão é nostálgica e sentimental, muito mais observadora que introdutória. A superficialidade detectada pelo espectador não pode ser duramente criticada. É a percepção, como já disse, de alguém que não vivencia o universo apresentado. É um filme de lembranças, de resgate às raízes, de buscar a reinserção. Concluindo, uma animação que merece ser vista, até porque retrata a cidade maravilhosa. Recomendo. A exibição em 3D fornece um charme todo especial. Foi desenvolvido um novo renderizador de penas chamado Ruffle Deformer, que permitiu aos animadores criar e moldar as penas com um detalhismo jamais obtido até então. Cada pena de Blu foi pintada de azul, sendo posteriormente adicionados os detalhes, as luzes e as texturas da superfície, como arranhões, marcas e depressões no bico. “Tudo o que eu exigi dos meus atores e dos músicos era a paixão e o comprometimento deles. Era preciso representar aquilo que sentimos sobre as emoções desta cidade (Rio)”, finaliza o diretor Carlos Saldanha, que na história original, o protagonista não era uma arara-azul, mas um pinguim.

O Diretor

Carlos Saldanha é um dos principais profissionais de criação da Blue Sky Studios desde 1993. Ele nasceu no Rio de Janeiro em 20 de julho de 1968 e saiu da sua cidade natal em 1991 para seguir a carreira artística e sua paixão pela animação. Com seus conhecimentos de ciência da computação e seu talento artístico natural, encontrou na cidade de Nova York o lugar ideal para unir seus talentos e trabalhar como animador. Estudou no programa MFA da Escola de Artes Visuais de Nova York, onde se formou com honras em 1993, depois de fazer dois curtas-metragens de animação, The Adventures of Korky, the Corkscrew (1992) e Time For Love (1993). Os curtas-metragens já foram exibidos em festivais de animação no mundo todo. Na Escola de Artes Visuais, conheceu Chris Wedge, um dos fundadores da Blue Sky Studios, que convidou Carlos Saldanha para trabalhar em sua equipe. Foi supervisor de animação das baratas que falam e dançam em Joe e as Baratas, de 1996. Também foi diretor de animação dos personagens gerados em computador de Um Desejo Tão Simples (1997) e Clube da Luta (1999). Além dos longas-metragens, Carlos Saldanha fez direção e animação de vários comerciais para a televisão. Big Deal, um anúncio da Bell Atlantic, ganhou vários prêmios, como o Clio de Bronze em 1997. Em 1999, ganhou o Clio de Ouro pela animação de Re-Incarnated, um comercial da cerveja Tennents veiculado por ocasião da Copa do Mundo de Futebol de 1998 na Europa. Trabalhou com Chris Wedge na direção dos primeiros longasmetragens da Blue Sky: A Era do Gelo, de 2002, e Robôs, de 2005. A Era do Gelo foi indicado para um Oscar em 2003. Em 2002, Carlos dirigiu o curta-metragem Gone Nutty - A Nova Aventura de Scrat, indicado para um Oscar em 2004. Depois do sucesso de A Era do Gelo, Carlos dirigiu A Era do Gelo 2 (2006), a terceira animação produzida pela Twentieth Century Fox e pela Blue Sky, que se tornou a animação mais rentável do ano e uma das melhores bilheterias da história da Fox. Em seguida veio o sucesso ainda maior de A Era do Gelo 3, uma das maiores bilheterias de desenho animado de todos os tempos, mais de 887 milhões de dólares no mundo todo.