Direção: João Jardim Roteiro: João Jardim Elenco: Lilia Cabral, Julia Lemmertz, Eduardo Moskovis, Letícia Collin, Cláudio Jaborandy, Ângelo Antônio, Silvia Lourenço, Fabiula Nascimento, Mariana Lima Fotografia: Heloísa Passos Música: Lenine Edição: Flávia Gonçalves e João Jardim Produção: João Jardim Distribuidora: Copacabana Filmes Duração: 100 minutos País: Brasil Ano: 2010 COTAÇÃO: MUITO BOM
A opinião
“Amor?” aborda os limites do ato de amar. O exagero do ciúme pode gerar a obsessão, desencadeando a violência doméstica. “O desconforto que o tema provoca, sua complexidade e seu potencial imagético”, define-se. O longa do diretor João Jardim (de “Janela da Alma” e “Pro Dia Nascer Feliz”, e co-diretor de “Lixo Extraordinário”) traz a tona questionamentos – não julgadores – sobre o tema em questão, utilizando oito histórias reais, que são interpretados por nove atores. Cada um deles forneceu naturalidade, cotidiano, lembrança e emoção contida, em monólogos com textos imensos. Este é o elemento mais significativo, interessante, visceral e genial. São atores que se tornam a figura que estão representando. Não há encenação. É a realidade exata de como se comporta o mundo aqui fora. Fantástico. “É uma experiência desconcertante, você se despe para vestir outra pele que não é sua, bem cruamente, sem construir muito, são histórias já construídas e vividas.
Então, é entrar naquela corrente, se deixar conduzir por aquele depoimento. A história, a memória, as palavras têm a força. É real e não é ao mesmo tempo. Não sei precisar, mas é tudo muito diferente. A ideia é não atuar; é ser. No processo de construção do personagem, que desafios se impuseram? O que foi mais difícil? O mais difícil foi tornar aquele pensamento fluido, meu, com idas e voltas, a mistura que a memória faz quando se conta o que passou há muito tempo, decorar o depoimento todo foi muito difícil e um pouco doloroso também”, tenta explicar a atriz Julia Lemmertz, que vive a última história “Alice”. Silvia Lourenço, vestindo o papel de lésbica junto com Fabiula Nascimento, em “Julia”, complementa “Ficou muito clara a necessidade de realmente me colocar no lugar daquela moça e dizer tudo aquilo com uma propriedade absoluta e uma verdade desprovida de artifícios, quase buscando uma Não-Interpretação”.
E finalizando o que estes protagonistas tem a dizer, apresento Mariana Lima, em “Cláudia”, diz “Foi uma experiência totalmente diferente, única por que eu tive que incorporar o modo de pensar e raciocinar de uma pessoa como um bloco inteiro, um discurso pessoal. Claro que atores fazem isso, mas é contextual, e vivenciado na forma de diálogo. Ali era um jorro pessoal. E depois eu coloquei a minha emoção, que é a leitura pessoal que faço daquela situação, por que eu não conheci aquela mulher, não tive contato com ela, não sei quem é, que idade tem, o que aconteceu com ela. Fui buscando pontos de identificação – a coisa do pai, dos filhos – na minha própria experiência”. Eu poderia apenas cita-los e seria uma opinião relevante e satisfatória. Porém, o afã de adicionar informações é maior e intenso. A narrativa mescla o tom documental (ficcional na interpretação, mas verdadeiro em seus relatos, como já disse - “uma mistura poética de documentário com ficção”, como define o seu diretor) com imagens existenciais e nostálgicas – cameras super. 8 do Arpoador do final dos anos cinquenta, acompanhadas por músicas românticas e instrumentais, “Beatriz”, de Chico Buarque, “Carinhoso” e Lenine.
Ser filmado em super. 16mm e finalizado em 35mm faz com que o longa se apresente com textura granulada saturada ao brilho, aumentando a visualização plástica da imagem. Fruto de um ano de pesquisa de campo, envolvendo a coleta de cerca de 60 depoimentos em áudio; duas semanas aproximadas (e descontínuas) de filmagens; e mais de 500 horas de edição, “Amor?” consegue ser muito bom, mesmo optando por trabalhar tantas histórias (que o torna cansativo). Cada história é uma experiência sensorial e única do espectador, que embarca literalmente à sinestesia apresentada. A jornalista e pesquisadora Renée Castelo Branco fez um primeiro levantamento junto a organizações de proteção e apoio tanto a mulheres vítimas de agressão quanto a homens agressores – como o Centro de Defesa da Mulher (CEDIM), o Centro de Atendimento a Mulher (CIAM), a Casa Abrigo/Rio Mulher, o Instituto Noos, o Juizado Especial de Violência Contra Mulher (RJ) –, que forneceram dados e abriram caminho para o contato direto com possíveis personagens.
Toda a pesquisa serviu para que fosse possível embasar a consistência das informações. Junto a isso, o tom exato da interpretação dos atores, pelo diretor e por Ciça Castello (Produção Elenco e 2ª Assistente de Direção), equilibrou a transposição das palavras e emoções à tela. Eduardo Moscovis com seu personagem Fernando, Claudio Jaborandy – vivendo Paulo e Ângelo Antônio – Lineu, eles completaram o elenco masculino e deram a contribuição do outro lado da moeda. A importância de todos os protagonistas é primordial e extremamente necessária – e importante, porque fornecem vida humanizada às causas e às consequências. Os sentimentos são híbridos, misturando e ou dissipando-se totalmente. Uma aceita a violência por acreditar que está errada. Outro busca o perdão evocando problemas passados. Outra vicia em não querer ficar sozinha. Outro domina pela crueldade. São inúmeros e infindáveis exemplos. “Bêbado mudo”, “Paixão madura”, “Ele era explosivo, desmerecia tudo, mas eu provoquei”,
“Clareza da coisa ruim que ele faz”, “Às vezes é preciso apanhar. Levar porrada para assumir o meu papel de mulher” são diálogos em planos longos e detalhados fisicamente(como o banho e fazer a barba). “Vício. Um comportamento. Necessidade de agredir”, diz-se. “Medo da reação dele”, “É trágico e cômico”, “Tenho ciúmes sim, mas ela também tem”, “Tem que haver uma lei para proteger os homens”, continua-se. Definições são encaixadas como um quebracabeça: “possessão”, “agressividade”, “intensidade”, “entrega”, “incompreensão”. Depois de tudo “o sexo compensava”. A cena que Letícia Colin (Carol) está debaixo d´água numa piscina é fantástica. Não perca e não pisque! Como ela conseguiu? “Todos nós temos uma violência latente”, diz e finaliza-se “Qual a fronteira entre o amor e a vontade de matar?”. Elas, as “vítimas”, “passam a ser um não ser ao lado daquela pessoa”. Concluindo, um documentário ficcional que precisa ser assistido pelo excelente trabalho dos atores (que ainda tem no elenco Lilian Cabral – como Laura (o primeiro monólogo). Vale muito a pena. Recomendo. Melhor Filme pelo Júri Popular no Festival de Brasília em novembro passado.
O Diretor
Carioca, 46 anos, graduado em Jornalismo pela Faculdade da Cidade, estudou cinema na Universidade de Nova York no ano de 1986. Em 2002, Janela da Alma, o primeiro longa-metragem de João Jardim, surpreendeu ao levar para a tela uma temática pouco convencional. Com depoimentos do escritor José Saramago, do cineasta Wim Wenders e do músico Hermeto Pascoal, o filme fazia uma reflexão poética sobre as diferentes formas de olhar. Assistido por 140 mil espectadores, Janela da Alma tornou-se a oitava bilheteria do ano entre os filmes nacionais, permanecendo em cartaz por 48 semanas – um recorde no segmento de documentários. O diretor ainda levou para casa oito prêmios, entre eles os de Melhor Documentário da Academia Brasileira de Cinema, da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e dos festivais internacionais Message to Men (Rússia) e Eco cinema (Grécia). Quatro anos mais tarde, o diretor repetia o sucesso de público e crítica com Pro Dia Nascer Feliz, agraciado com dez prêmios – incluindo três de Melhor Documentário na Mostra de São Paulo (júris oficial, popular e da juventude) e três entre os mais importantes do Festival de Gramado: dois de Melhor Filme (crítica e júri popular) e o Prêmio Especial do Júri. O filme foi assistido por mais de 52 mil espectadores nos cinemas. João Jardim é co diretor do documentário Lixo Extraordinário (2010), sobre a vida e obra do artista brasileiro Vik Muniz: uma co-produção do Brasil com a Inglaterra. O filme recebeu 21 prêmios em 2010, como o de público no Festival Sundance e na Mostra Panorama do Festival de Berlim, e os de Melhor Documentário na escolha do público e Especial do Júri no Festival de Paulínia. Em janeiro de 2011 foi indicado ao Oscar de melhor documentário. Entre 2006 e 2009, Jardim assinou a direção de quatro programas da série Por Toda a Minha Vida, da TV Globo, sobre a vida de Nara Leão, Elis Regina, Raul Seixas e Dolores Duran. Os programas sobre Elis Regina e Nara Leão foram indicados ao Emmy Internacional de Melhor Programa de Arte, em 2007 e 2008 respectivamente.