Direção: Claude Miller, Nathan Miller Roteiro: Alain Le Henry Elenco: Vincent Rottiers, Sophie Cattani, Christine Citti, Yves Verhoeven, Maxime Renard, Olivier Guéritée Fotografia: Aurélien Devaux Edição: Morganne Spacagna Produção: Jean-Louis Livi Distribuidora: Imovision Estúdio: Canal+, France 3 Cinéma, Région Ile-de-France, F Comme Film, Orly Films, TPS Star Duração: 90 minutos País: França Ano: 2009 COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM
A opinião
“Feliz que minha mãe esteja viva” aborda o tema da adoção e seus tramas, as causas e suas consequências. O longa-metragem da família Miller, Claude (o pai) – de “A pequena Lili”, “Betty Fisher e outras histórias”, “Um Segredo”) – e Nathan (o filho) – que participou como ator, vivendo o Bebê Lemeri, no filme “O Garoto Selvagem”, de 1970, com direção de François Truffaut, cineasta que serviu de mentor a seu pai, que também participou como ator. Os diretores do filme em questão tentam conservar características do gênero francês, adicionando agilidade. A narrativa, baseada em um artigo, ainda se comporta como observadora e introspectiva, a diferença é a sequência editada de imagens, não utilizando os planos contemplativos.
Por não ser linear, as digressões são constantes e recorrentes. Ora por detalhes, ora por histórias paralelas de um tempo maior. Porém não são explicadas – muitas vezes usando elipses temporais (como a cena da praia intercortada por outros elementos do quebra-cabeças), enaltecendo a atmosfera positiva direcionada ao espectador. Há inúmeras metáforas físicas – em linguagens explicitas ou cenas existenciais (concretas), funcionando como a personificação dos sentimentos e sofrimentos internos da alma dos nossos personagens, em especial ao protagonista. “A água fica sempre na mesma temperatura”, diz-se aludindo a uma vida sem novidades. Em outro momento, há um banho de banheira de duas crianças. O dia-a-dia de lembranças e nostalgia, com luz alaranjada desbotada e solar.
O roteiro corrobora o estado social francês de comportamento interpessoais. A agressividade de um demonstra mais uma defesa de ego ferido e de proteção ao outro do que o desejo de agredir. Quem grita e quem escuta já estão acostumados com o tratamento. Quando adolescente, Julie (Sophie Cattani) abandonou seus dois filhos, um de quatro anos e o outro ainda bebê. Adotados por um casal, o irmão mais novo cresceu sem crises existenciais, mas Thomas (Vincent Rottiers - Indicado ao César de Ator Promissor) sempre quis conhecer suas origens. A raiva que o abandono causou nele começa a se manifestar na sua pré-adolescência. Aos 20 anos, ele encontra a mãe biológica e, na tentativa de ocupar o hiato da relação entre os dois, força um envolvimento e intimidade não convencional entre mãe e filho.
Thomas é o mais sensível talvez por ser o mais velho, ter uma melhor percepção ao que estava acontecendo a seu redor e por ter cuidado de seu irmão. Ele criou um mecanismo de defesa. Já que não teve o cuidado que desejava, resolveu superproteger os seus próximos, não incluindo os seus pais adotivos (porque para eles era um sentimento de gratidão). A sua raiva gerou brigas que desencadeou picardias sinceras e sarcásticas dos outros criando novas brigas. Uma bola de neve com a tendência de ser crescente. A fotografia mostra grandes momentos: como a cena da escuridão, só tendo os olhos para iluminar ou as teclas de um celular. É onírico e existencial. Há outra metáfora quando o irmão fecha a mão em roda, parecendo um olho mágico, podemos inferir que ele se encontra do outro lado da porta, sentindo a presença. A ideia que pode ser pescada pelo espectador é que a adoção não quer entender o lado da criança.
Comporta-se, o “comprador”, apenas com quereres, com regras pre-determinadas. Os novos “brinquedos” são marionetes. É inevitável a revolta. O desejo excessivo de algo pode ser observado como sentimental e ou carnal. Thomas reparava os detalhes da mãe: os pés se roçando ao passar roupa, dando de mamar ao irmão, tudo era analisado. A sua figura no espelho muda. Antes a imagem sem falhas e manchas. Depois uma deturpação do próprio reflexo. O simbolismo reaparece quando o filho perdido escreve o numero do telefone em um jornal velho, com notícias passadas. E a máxima: Thomas torna-se mecânico, que tem como função consertar problemas maquinários de outras pessoas. Ele sempre querendo as migalhas. Algum afeto.
Resolve optar por uma solução passional, surreal e ingênua a fim de poder se libertar, no melhor estilo Lacan, psicanalista que pregava a morte (não real, apenas mental) de entes que travam o andamento dos caminhos pessoais. Podemos inferir que o sangue é mais forte, tanto na realidade de quem faz, quanto na imaginação projetada do sentir. Concluindo, um filme recheado de metáforas e simbolismos, mas que se perde quando tenta apelar para um desfecho radical. Fica no limite entre o aprofundamento e a observação. Vale a pena assisti-lo. Exibido no Festival de Veneza 2009 na mostra Venice Days (Giornate degli autori). Inteiramente rodado na França, com orçamento estimado em US$ 6 milhões. Ganhou o FESTIVAL DE MONTREAL 2009 - Melhor Roteiro - Alain Le Henry.
Os Diretores
Claude Miller nasceu em Paris em 1942. Nos anos 60, trabalhou como assistente de direção de Marcel Carné, Jacques Demy e Jean-Luc Godard e atuou em filmes de François Truffaut e Luc Béraud. Dirigiu alguns curtas e estreou na direção de longas-metragens com La Meilleure Façon de Marcher (1976). Seus trabalhos seguintes incluem Ronda Mortal (1983) e La Classe de Neige (1998), vencedor do Prêmio Especial do Júri em Cannes. Também dirigiu Ladra e Sedutora (1988), com roteiro de François Truffaut; A Acompanhante (1992); Betty Fisher e Outras Histórias (2001); e A Pequena Lily (2003).
Nathan Miller, filho de Claude Miller, atuou no filme O Garoto Selvagem (1970), de François Truffaut, ainda bebê. Trabalhou como assistente de direção em filmes como Ladra e Sedutora (1988) e A Acompanhante (1992), de Claude Miller; La Reine Blanche (1991), de Jean-Houp Hubert; e Juste Avant L’orage (1992), de Bruno Herbulot. Dirigiu o curta-metragem La Tartine (2002). Feliz que Minha Mãe Esteja Viva é seu primeiro longa-metragem como diretor.