Crítica: Incêndios

Ficha Técnica

Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Denis Villeneuve
Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Rémy Girard, Allen Altman
Fotografia: André Turpin
Música: Grégoire Hetzel
Edição: Monique Dartonne
Produção: Kim McCraw, Luc Déry
Distribuidora: Imovision
Duração: 130 minutos
País: Canadá
Ano: 2010
COTAÇÃO: MAIS QUE EXCELENTE




A opinião

O diretor canadense Denis Villeneuve mostra competência cada trabalho. A sua carreira cinematográfica ainda é curta, mas já demonstra que veio para ficar no rol dos grandes diretores. Digo isso por causa do emplacamento de uma obra-prima após outra. “Cosmos”, “Un 32 août sur terre”, seus primeiros curtas-metragens foram exibidos no Festival de Cannes. O seu primeiro longa “Redemoinho (Maelström)” ganhou o FIPRESCI, no Festival de Berlim, dentre outros 23 prêmios. Os seus temas abordam polêmicas cotidianas sem suavizações. É direto e sem pena ao tratar estupro, política, tortura, depressão, radicalismo atual – e interno – de cada um. Em 2009, lança “Polytechnique”, um filme que não chega aos oitenta minutos e que mostra a vida de um misógino que decide matar todas as mulheres de um curso de engenharia, em 1989, da Escola Politécnica do Canadá. Com fotografia preto-e-branco, mesclando entre o ágil e o existencialismo, surpreende sem utilizar recursos clichês. Um grande filme que faz o espectador ficar sem palavras por um bom tempo após o ter assistido. Neste ano, Denis apresenta seu novo projeto “Incêndios”, indicado ao Oscar 2011 de Melhor Filme Estrangeiro, é a aposta do Canadá para concorrer à estatueta. Não haveria escolha melhor. Posso adiantar a conclusão com dois adjetivos: arrebatador e genial, afetando a percepção e aprisionando quem está do outro lado da tela. Não há limites. Quanto mais conhecemos a história, mais o mergulho ao fundo do poço é real, sem a possibilidade de retorno. Na leitura do testamento de sua mãe, os gêmeos Simon (Maxim Gaudette) e Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) descobrem que têm um irmão e o pai, que os dois achavam que havia falecido, estava vivo. Dentre muitos pedidos, a maioria desconfortantes, o último e mais importante vinha com duas cartas seladas: encontrar os dois e entregar-lhes. A sinopse acima fornece apenas um resumo à atmosfera carregada de sofrimentos e sinestesias. O inicio apresenta um plano longo e contemplativo, mostrando em imagens o que se passa no interior dos personagens.

A camera anda, como um videoclipe lento, intensificada com a música “You and whose army”, do grupo Radiohead, e interage chegando cada vez mais perto aos olhos. Os detalhes tornam-se recorrentes e necessários à narrativa – de espera, com agilidade e sem correria, que se apresenta como capítulos de um livro. É direta, realista, visceral, crua, seca, natural e não apelativa. O retrato do que realmente acontece no dia-a-dia, tanto faz antes e ou agora. “A infância é uma faca enfiada na garganta”, diz-se. Não é contada de forma linear. Intercala momentos temporais do passado pretérito, o mais que perfeito e presente. O espectador embarca na missão que a mãe antes de morrer, determinou aos filhos. “Enterrar a mãe de um jeito normal”, diz um dos filhos que não entende o que esta acontecendo. Em relação ao elemento interpretativo, o que se observa é a entrega total de seus atores, sem querer a encenação, assim tornam-se os seus personagens. Ora a cena escolhe o plano distante com o objetivo de afastar – e indicar desconhecimento. “Matemática pura, o reino da solidão”, explica ideias até então um pouco complicadas para o público. Aos poucos, o quebra-cabeça vai sendo montado. Peça a peça, extraindo dor e aflição tanto de quem vive a situação, quanto quem assiste. Os gêmeos (irmãos) precisam descobrir o mistério a fim de fornecer um lápide à progenitora. Há o equilíbrio da edição, com digressões por imagens existencialistas. Exige-se muito dos atores. E cada um reverbera com maestria o que o roteiro deseja transpassar. Essas digressões (longas) ajudam ao descobrimento de novas peças. “Ela sempre foi um pouco ausente”, diz logo de início. Acredite, leitor, após um tempo, o superficial viaja na velocidade da luz ao aprofundamento do choque psicológico. A história da mãe é contada ao espectador. Extremamente bem feito e não convencional. Com a fotografia de nuances que busca a nostalgia contrastada por trazer o passado e torna-lo vivência obrigatória.

Uma dica: preste atenção aos detalhes, porque é assim que a historia conduz e se faz explicada. A camera – leve e fluente - possui o intuito de não ser notada. A filha conhecendo a história da mãe, conhece o lado politico da época. O radicalismo de cada um é o subjetivismo verdadeiro, pois acreditam em algo – fantasioso ou massificado – e apostam a própria felicidade para que seja possível a mudança. Não é mais um filme sobre a Palestina e nem sobre a luta armada, e sim de alguém que precisa do acaso da vida a fim de conseguir a sobrevivência dentro da crueldade projetada do desconhecido, como a cena do ônibus. Ela (tanto mãe, quanto filha) precisa manipular uma outra vida para completar a sua missão. Novamente retrata-se um cotidiano editado. “As ideias só sobrevivem se tiver alguém que as defenda”, diz com entranhada utopia. A expressão da personagem mãe muda. Quando passa a fronteira, sente-se em casa, num misto de medo e defesa. A aflição aumenta e a violência –visceral e natural – também. “Ensinar ao inimigo o que a vida me ensinou”, o tom utópico radical continua. A mãe, a mulher que canta, usa a música para afastar o horror dos acontecimentos. Os filhos vasculham o passado da mãe por respostas. “A morte não é o fim de tudo. Sobram traços”, diz-se. O ano é 1970, inicio da guerra. A mãe cria um “jogo”. “No Sul, uma fagulha faz tudo explodir”, tenta-se a explicação de tudo aquilo. O roteiro fica mais inteligente a cada reviravolta. O que poderia ser considerado novelesco, aqui é extremamente crível, arrebatador, sombrio, angustiante e convincente. Um dos motivos é a não utilização de música acompanhante. Como disse, seco e direto. Concluindo, o espectador do meio ao final já não se preocupa em respirar tal envolvimento com a trama. A sessão de sexta-feira, ontem, no Espaço de Cinema 3, encontrava-se lotada. Mesmo assim, ninguém se permitia comentar nada. O silêncio era total. Demorei algumas horas após a sessão para que pudesse recobrar as minhas percepções externas. O filme aprisiona e não dá a chave, nem quando acaba. É um filme único. Aguarde até o final de todos os créditos. “A nossas grandes mães”, faz uma homenagem e reitera a sensação do momento descrito acima. Vale muito a pena assistir. Recomendo.



O Diretor

Denis Villeneuve (nascido em 03 de outubro de 1967 em Gentilly, Quebec) é diretor e roteirista canadense. “Cosmos”, “Un 32 août sur terre”, seus primeiros curtas-metragens foram exibidos no Festival de Cannes. O seu primeiro longa “Redemoinho (Maelström)” ganhou o FIPRESCI, no Festival de Berlim, dentre outros 23 prêmios. Em 2009, lança “Polytechnique”, um filme que não chega aos oitenta minutos e que mostra a vida de um misógino que decide matar todas as mulheres de um curso de engenharia, em 1989, da Escola Politécnica do Canadá. Com fotografia preto-e-branco, mesclando entre o ágil e o existencialismo, surpreende sem utilizar recursos clichês. Um grande filme que faz o espectador ficar sem palavras por um bom tempo após o ter assistido. Neste ano, Denis apresenta seu novo projeto “Incêndios”, indicado ao Oscar 2011 de Melhor Filme Estrangeiro, é a aposta do Canadá para concorrer à estatueta.