Crítica: Meu Mundo em Perigo

Ficha Técnica

Direção: José Eduardo Belmonte
Roteiro: José Eduardo Belmonte e Mario Bortolotto
Elenco: Eucir De Souza, Rosanne Mulholland, Milhem Cortaz, Ziza Brizola.
Fotografia: André Lavenére
Música: Zé Pedro Gollo
Direção De Arte: Akira Goto
Figurino: Joana Gates
Produção: José Eduardo Belmonte, Lili Bandeira e Luciana Melo
Distribuidora: Vitrine Filmes
Duração: 102 Minutos
País: Brasil
Ano: 2007
COTAÇÃO: MUITO BOM



A opinião

“Você pode sair do inferno, mas o inferno não sai de você”, uma das frases ditas resume a atmosfera adotada no novo filme do diretor José Eduardo Belmonte. O terceiro filme (já que realizou este antes de “Se nada mais der certo”) segue a linha abordada nos anteriores: personagens fracassados, depressivos, sem perspectivas, que vivem no limite dos sofrimentos e refletem sobre eles mesmos e sobre os outros. Os sentimentos são melancólicos, poetizados com a própria linguagem cotidiana a qual vivem. Eles aditam complicações, mergulhando ao fundo do poço, sem o desejo esperançoso. A esperança é o objetivo, mas paradoxalmente sempre correm ao contrário delas. Vivenciam a carga emocional de forma visceral e totalitária. Entregam-se ao próprio mal que causam, por erros repetidos e vícios recorrentes. São defensivos, porém carentes. Agressivos, mas buscam o carinho e o cuidado alheio. Comportam-se como vítimas deles mesmos, procurando o radicalismo para enaltecer suas ações e reações. Elias (Eucír de Souza) entra em parafuso quando sua ex-mulher, uma viciada em recuperação, pede a guarda de seu filho. Desesperado, após causar a morte de um homem em um acidente de trânsito, ele se esconde em um hotel decadente no centro de São Paulo. Lá está hospedada Ísis (Rosanne Mulholland), uma jovem que Elias encontrou na rua, quando notou que a carteira dela tinha caído. Ísis também enfrenta problemas pessoais e, assim como Elias, busca um novo sentido para sua vida.

“Meu mundo em perigo” representa os perigos constantes do dia-a-dia. A guerra diária que cada um tem que vencer. É um filme sobre memórias, utilizando o simbolismo bucólico de um fotografo e sua Polaróide. Esta camera, quando a foto é tirada, demora a revelar a imagem, e depois de um tempo, desbota-se. Assim é o universo de seus personagens e paralelamente com a vida em si. A narrativa abusa do artificio de elipses temporais para fornecer a trama instantes perdidos, objetivando o simples, a intimidade e a poesia realista. O hotel que Eucir e Ísis ficam chama-se Paramount (aludindo a uma vida cinematográfica). Interpretam a vida real a sua volta. O estilo lembra o gênero Dogma 95, manifesto de cinema dinamarquês criado por Lars Von Trier e Thomas Vintenberg, por adotar pouca luz, explorando o próprio ambiente. A camera foca detalhes, como apenas bocas (falando), ou rostos marcados, ora lenta, ora agitada – dilacerando o desespero da alma. “A fotografia me relaxa. Sou fotografo, um tipo de policial e de tarado”, diz-se. O inicio mostra uma trajetória. Da felicidade ao tédio do cotidiano, gerando insatisfação e brigas judiciais pela guarda do filho. A música participa inserindo complementações e explicações ao espectador. “As histórias de amor sempre acabam”, o refrão é cantado. Nada melhor do que outra frase para resumir o que passam: “O inferno são os outros”, de Jean-Paul Sartre.

“Às vezes é bom ficar sem falar, não participar de conversas inúteis”, diz sobre enganar o mutismo verbal. O roteiro quer ser independente, autoral, universitário e livre. Os personagens são desconhecidos que preferem esquecer o passado que os condena e os persegue. Aos poucos, aprofunda-se ao sofrimento exacerbado de seus personagens, mergulhando-se em seus olhos, sem a possibilidade de retorno. Em determinando momento, o casal protagonista resolve conhecer o mundo “lá fora”, ouvindo as histórias de outras pessoas. Isso apresenta-se quase como um documentário. É um filme de espera, conectando foto, imagens e tramas paralelas. Uma delas, a história da mulher, o marido e o sogro perde-se no contexto pelo excessivo uso da elipse explicativa. Mas não faz com que o diminua. Concluindo, é um filme incrível, que utiliza a poesia crua, seca, melancólica, definidora e de efeito para transpassar o mundo sombrio e sôfrego de seus personagens, interpretado por atores excelentes, que se entregam totalmente. Vale muito a pena assistir. Uma das músicas presentes é “Senhor Cidadão”, de Tom Zé, complementando a atmosfera abordada. Recomendo muitíssimo. “Um melodrama que beira a tragédia”, assim o diretor conclui seu filme, que conta com atuações emocionantes de Eucir de Souza, Rosanne Mulholland e Milhen Cortaz. Completam o time os atores Wolney de Souza, Ziza Brisola, Justine Otondo e a participação especial da atriz e diretora, Helena Ignez. O filme todo foi rodado em São Paulo, “com a maioria das cenas no Centro da cidade, em clima de guerrilha”. Ganhou o prêmio de Melhor Ator (Eucir de Souza) e Melhor Ator Coadjuvante (Milhem Cortaz) no 40º Festival de Brasília de 2007, além do prêmio de Melhor Filme segundo a Crítica, o mais importante do país.



O Diretor

José Eduardo Belmonte nasceu em 1970, Brasília. É formado em cinema pela Universidade de Brasília, onde teve aulas com Nelson Pereira dos Santos (com quem trabalhou) e Wladimir Carvalho, entre outros. Fez cinco curtas e quatro longas-metragens, que somam aproximadamente sessenta prêmios nos principais festivais do país. Realizou num esquema de guerrilha seu primeiro longa, Subterrâneos, ainda inédito no circuito comercial. Seu segundo longa, A Concepção, foi produzido pela Olhos de Cão, produtora de Amarelo Manga e Prisioneiro da Grade de Ferro. O filme foi lançado comercialmente no Brasil em 2006. No mesmo ano, Belmonte filmou seu terceiro longa-metragem, Meu mundo em perigo, na cidade de São Paulo. Seu quarto longa-metragem, também filmado em São Paulo é Se nada mais der certo, que com seu curto tempo de vida já arrebatou vários prêmios, inclusive internacionais. Sobre a obra do realizador segue um texto do critico Carlos Alberto Mattos feito para uma retrospectiva dos seus curtas no festival Luso-brasileiro de Santa Maria da Feira, Portugal. Ele lida com a matéria bruta do cinema: rupturas amorosas, violência do cotidiano, acidentes de automóvel, corpos jovens que se agitam numa teia de palavras e músicas, citações cinematográficas, perigo de morte rondando nas esquinas e banheiros de uma cidade fantasmagórica.

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