“O espirito lúdico com que Wong Kar-wai molda seus personagens é o mesmo espírito que ele adota ao manipular o tempo das imagens, as inserções musicais, os diálogos e situações”, diz o curador da mostra sobre o diretor, Gustavo Galvão, que também participa como mediador, do debate “Wong Kar-wai e o Cinema contemporâneo”. Ingressando o time temos Cassio Starling Carlos – crítico e pesquisador da história do audiovisual – e Tatiana Monassa – editora da revista eletrônica Contracampo. O evento realizado em uma quinta-feira, dentro da retrospectiva do diretor, na Caixa Cultural, do Rio de Janeiro, dia 11 de novembro, abordou, em tom de conversa didática, os estágios do cinema, ocidental e oriental.
Gustavo: “A mostra é uma oportunidade de poder ver toda a obra do diretor de uma vez. Entender por que os elementos se repetem e por que alguns temas tornam-se obsessões. Assim passa-se a conhecer um pouco mais de Kar-wai, que é múltiplo e coerente. Poucos conseguem imprimir tais características. É uma vantagem assistir uma retrospectiva em bloco.
Cássio: “Como eu descobri Wong? Em 1995, com “Amores Expressos”. Procurava algum lugar para alimentar-me e achei um cinema (que passava este filme). Saí com uma experiência de amaravilhamento (depois da anestesia de muito tempo). Momentos de cinema que você se apega, nos captura afetivamente e com interesse. Escrevi sobre os filmes com desordem. De acordo como foram lançados no Brasil. Nexos flutuantes.
Gustavo: “Amores expressos revelou para o mundo o Kar-wai. Foi o primeiro que chamou a a tenção. Tarantino teve a mesma sensação e tornou-se distribuidor de Wong, que trabalha o tema desencontros de um jeito tão leve.
Tatiana: “Descobri WKw por conta de uma mini retrospectiva do Cine Arte UFF. Vi ‘Felizes Juntos’ sem referência nenhuma. Saí completamente arrebatada. Eu gostaria de ter feito este filme (risos). Depois vi ‘Anjos Caídos’ e procurei por ‘Amores expressos’. Eu tenho uma relação pessoal forte com o diretor. É difícil escrever sobre seus filmes. Ele captura o espectador pela emoção, solicitando o sentimento e o sensorial. É bom ser em bloco e mesmo assim não ser linear. Minhas percepções foram fragmentadas e dispersas. É uma obra lúdica. Identificam-se referências. Em relação ao cinema oriental. Ele emergiu com os outros cineastas. As referências tornaram-se quase um clichê, com características comuns e repetidas no contemporâneo. Basicamente, WKw aborda decepções amorosas, com seu estilo espetaculoso e em videoclipe, de publicidade. Registra um fluxo, movimentos incessantes – os corpos ou as vontades, que são oscilantes. As imagens fluidas e borradas remetem à contemporaneidade.
Cassio: “É transnacional, porque circula e dialoga pelos mesmos mercados. O Japão é outra história. A Novelle Vague de Hong Kong, indústria forte de cinema em filmes de gênero. O objetivo: revolucionar, com energia jovem, o cotidiano realista com os códigos desta indústria. Há recursos e condições técnicas a esses cineastas, pelo acordo de devolução de Hong Kong”.
“WKw aprende Cantonês vendo filmes. A sua mãe o levava desde pequeno ao cinema. Ele chega aos 5 anos com os pais. O mundo estava mudando. Angustias e crise econômica deram continuidade ao fim do acomodamento dos anos 60. Entram nas referências do diretor: Godard, exotismo, estética vibrante, estesia, subversão, o ser kitsch e neon realismo. Ela dialoga com as músicas pela suas memórias das canções. A mãe ouvia recorrentemente Nat King Cole, boleros filipinos e a rádio BBC de Londres. Uma mistura cultural com pequenas diferenças. Como “Califórnia Dream” que é executada oito vezes em um de seus filmes. Eram autores dentro do gênero. Agora são gêneros dentro dos autores. Melodrama, policial, musical, kung fu, WKw aborda quase tudo, interagindo com o popular. Não só para um público de entendedores.
Gustavo: “WKw aprendeu cinema com a sua mãe. Via Bruce Lee e Antonioni. Assim, ele mescla tudo isso. Almodóvar utiliza o mesmo diálogo / estética / imagens auditivas / cores e boleros locais. Wong traz fragmentos de memórias, vividas e ou por filmes. São nostálgicas e afetivas, virando múltiplas camadas, ajudadas com a fotografia intimista. Qual o tempo que o filme se passa? Não se sabe, é atemporal. O recurso da música pode ir e voltar.
Eduardo Nunes, cineasta carioca, (plateia), levanta a questão de Wong abandonar os seus roteiros. “Dias selvagens”, ele só escreveu 30 páginas. “Felizes Juntos”, escreveu no próprio dia de set. Contrasta com o inicio de sua carreira. Ele era roteirista.
Tatiana: “Ele escreve com imagens, e tudo pode mudar a qualquer momento. É escritura em processo. Ser roteirista serviu de escola, entender como a máquina toda funciona. Os filmes dele recusam organização. São experiências fugidias”.
Gustavo: “Ele renega quase tudo que escreveu como roteirista. A máfia ajudava o cinema para lavar dinheiro. Depois descobriu que dava dinheiro e começou a fazer (risos). Manipulava-se o cinema para a bilheteria. Ele não gostava nem um pouco do que fazia e se demitiu em 23 de dezembro. Eram produtos descartáveis. Dizem que ‘Conflito mortal’ foi financiado por essa máfia. WKw usa o processo de imaginação. Ele termina os filmes em outros filmes. Começa um novo filme, mesmo não tendo terminado o anterior. Ele diz que ‘o que faço é o mesmo filme, que é quebrado em vários’. São garotos e garotas tentando se entender, em um grande quebra-cabeças.
“Fértil, livre e pessoal com a cultura pop, visualizando mundialmente. Não há nada parecido aqui. Ele é quase fútil e sempre diz que roteiro é para conseguir dinheiro para filmar (financiamento). Utiliza o contexto urbano, tornando-se um cineasta internacional. “Beijos roubados” é uma outra formatação de estética, um experimento de um cinema americano, um outro mercado. Ele empresta a aura de autor e vende mercadorias”.
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